domingo, 17 de março de 2024

A Casa

 

A casa era antiga, e feia. Fachada estreita, portão de ferro com grades em cima. Há tempos não via tinta, cinzas e beges já desbotados.

A casa, assim precária, vivia só. Há tempos não via gente, cômodos desabitados em seu interior.

A casa estava triste. Cansada de asperezas, queria vida em carne e osso. Sabia de sua falta de graça. Numa rua de exuberâncias, quem haveria de lhe lançar os olhos?

A casa teve uma ideia, conhecedora que era da vizinhança – anos de observação privilegiada. E rabiscou-se a cara, com ironia, certa de que a mensagem seria sua aliada. “Não quero visitas”. E destrancou-se toda, a espera.

Não tardou e a casa sentiu o sol. Uma lufada de vento a invadiu quando o portão rangeu na timidez da manhã. E ela toda tremeu ao pressentir certeza nos pés pequenos que pisavam-lhe o chão.

A casa agora pulsa, água e sangue em sintonia. Até que o tempo passe, e a vida clame por outras mensagens.

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Texto produzido a partir de disparador do grupo Escrita Matinal (@escritamatinal)

sexta-feira, 8 de março de 2024

Esquina

Gente se encontra na esquina.

Eu, você, várias Marias,

Hopper, Chico e Djavan,

seu José da padaria,

a nonna da velha cantina


Gente se encontra na esquina.

Chega com os próprios pés, na volta da oficina,

pega o carro, chama um Uber,

ou desce daquele busão,

ronco, freada, buzina.


Gente se encontra na esquina.

Em pé, do lado de fora, na mesa há pouco montada,

papeando no balcão,

olhando tudo de cima, da sacada barulhenta,

gritando pra multidão.


Gente se encontra na esquina.

Ficha redonda no bolso pra logo chamar Carolina

Iphone por perto dos olhos, checando o novo recado.

Vai um ovo colorido? Um churrasquinho de gato?

Um pingado de café, cerveja como rotina


No torto quadrado das ruas,

voejam modos e medos, circulam milhares de sonhos,

que se embaraçam nos fios,

e se revelam aos poucos, num jogo de luz e sombra


Chega mais, muito bom dia!
 
Vê se me esquece, babaca!
 
Gente se encontra na esquina.


Poesia produzida a partir de disparador do grupo Escrita Matinal (@escritamatinal)
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Na Rede: referências musicais

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Noélia

Noélia caminha pela areia sem atenção, tropeça nos pés descalços, a barra do vestido lambendo os morrotes fofos. No ambiente, nada a atrai – movimentos, cores, sons – nada! Olha para si mesma, corpo em concha, o mundo interior em preto e branco. Lá fora o mar tranquilo; por dentro, ondas de ressaca. Pudera! Não anunciaram que o tempo mudaria por estes dias? Forte calor, frente fria... 

Tinha acabado de constatar, um pouco antes de bater a porta da casa e sair atordoada, que o amor detesta mudanças, que ele só se sente bem com temperaturas constantes, em condições ideais de umidade, na mais completa calmaria. Raios e temporais?! Malditos sejam, esconjura o amor. Malditos sejam, repete a mulher, a voz vibrando dentro da própria concha. Um amor abalado cisma em morrer, morte súbita. Resta espanto, e agonia.

Noélia está só; a praia vazia, olhada de soslaio, confirma a sensação. Melhor assim... De que adiantaria um ser vivente ao seu lado se é impossível partilhar o incomunicável? Não basta soletrar “dê-ó-erre” com toda a minúcia ortográfica, ou dividir as sílabas de “so-frri-menn-to” reforçando as ênfases individuais. Palavras não bastam diante da morte do amor. Por isso, se cala - estática, estátua.

Se ela movesse um pouco o corpo, se erguesse a cabeça na direção do horizonte, veria um pássaro se aproximar: voo elegante no céu, asas e vento em parceria, a cauda-leme apontada para o único lugar habitado na areia. Se pelo menos abrisse os olhos, se permitisse que a luz inundasse as suas retinas, experimentaria um momento fugaz de comunhão. Mulher e pássaro unidos na sombra projetada a sua frente: o corpo dela, esteio; nas asas dele, anseios. Mas Noélia amarra-se em si, cobre o rosto com as mãos, não se entrega à luz. O pássaro, indiferente aos limites da mulher, segue livre o seu destino.
Conto Noélia nascido do trabalho com o grupo Escrita Matinal. Texto inaugural da promessa de 2024.
Imagens: @oszvaldnoell

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Promessa de Ano Novo

Quando 2024 deu as caras por aqui, decidi me fazer uma promessa: colocaria a escrita como uma de minhas prioridades no ano.

A minha produção escrita é geralmente espasmódica, manifesta-se sem nenhuma regularidade ou estabilidade de assunto. Eu juro que gostaria de mudar isso! Invejo os que escrevem com disciplina e entusiasmo, mesmo que não pareça haver no mundo um só motivo para tal.

Sozinha, sei que não dou conta de fazer a promessa se concretizar. Por isso, esta semana entrei para o grupo Escrita Matinal @escritamatinal, coordenado por Liana Ferraz. Entre 8 e 8:30 da manhã, nos encontramos para deixar fluir a criatividade e as palavras. Tem horário, tem parceria; vai funcionar.

E, em março, começo o curso Formação de Escritores @formacaodeescritores na plataforma da Metamorfose, com o objetivo de trabalhar as técnicas e recursos da escrita. Tem análise e produção textual, tem devolutiva dos professores. Com certeza, vai funcionar.

A ideia é publicar aqui no Blog algumas dessas produções. E, quem sabe, contar com a leitura de vocês. 😊