terça-feira, 9 de julho de 2019

As Oliveiras

Não é exagero, elas se espalham por toda a Andaluzia. Estão às margens das rodovias, nas ondulações das montanhas, nos parques e nos quintais das casas. Podem ser vistas enfileiradas nas grandes e recentes plantações ou reunidas em grupos centenários esquecidos ao longo dos caminhos. 

Não houve um só dia, durante a viagem, que não tivéssemos topado com dezenas de oliveiras. Fossem de outra espécie - mais altas, vistosas ou cheirosas -, poderia até pensar que buscam a atenção dos passantes, exibindo-se em batalhões impossíveis de ignorar. Mas, ao contrário, as oliveiras são discretas, contidas, cientes de sua tarefa produtiva. Quando recém-plantadas, ainda em mudas ou em pequenos arbustos, carecem de todo o cuidado para que suas frágeis estruturas consigam vingar. Conformam-se às estacas e aos moldes, e colaboram obedientes. As plantas jovens, com seus ramos magros, contrastam com os espécimes adultos, adaptados ao calor, solidamente assentados nos terrenos rochosos, os troncos domados pelas podas frequentes. 

Tomei-me de amores pelas antigas oliveiras, tão parecidas com idosas senhoras: os mesmos corpos arredondados, sem muita elegância; membros entortados, articulações disformes, talvez por força de alguma artrose; cabelos acinzentados e opacos. Parecem nunca estar sós, as centenárias mulheres-oliveiras. Reúnem-se com as companheiras para longas conversas, placidamente acomodadas em suas poltronas, o que lhes confere ainda menor estatura. Seguem envelhecendo em paz com cíclica sabedoria. Tive vontade de me aproximar das árvores anciãs, e de lhes sussurrar segredos, e de lhes pedir conselhos, como faria com as mulheres mais velhas da minha família.

Quando chegamos à Provence, onde os olivais são vizinhos dos vinhedos, descobri que, além de mim, também Van Gogh tinha se envolvido neste jogo de interpretação, impactado pelas tonalidades mutantes das oliveiras e de seu entorno. Seguindo Vincent por Saint-Rémy, e bisbilhotando a sua correspondência, encontrei confidências sobre o difícil processo de capturar árvores tão originais. Ao seu irmão Theo, descreveu as incríveis gradações das folhagens - de verdes e azuis, de prata e ouro -, e as nuances de brancos, amarelos, rosas e alaranjados produzidos na composição com o céu, o sol e o solo. E relatou que, embora reconhecesse a dificuldade da tarefa, continuaria a pintar na esperança de, um dia, talvez, conseguir produzir uma impressão pessoal dessa paisagem.

Durante o período de um ano em que esteve internado no sanatório Saint-Paul de Mausole, Van Gogh pintou uma série de quase vinte telas sobre o tema. Eu, como não tenho a menor intimidade com as ferramentas das artes plásticas, não me atrevo nesta seara. Para interpretar as caprichosas oliveiras, e todas as outras coisas do mundo, me valho só das palavras, e das composições que consigo criar com elas. Reconheço a dificuldade da tarefa, mas, como ele, não desisto de tentar.

Para ver outras imagens, clique em: Galeria de Fotos- As Oliveiras, Van Gogh Série Oliveiras

Para saber mais sobre a viagem, leia também: Duas Viagens

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