terça-feira, 23 de abril de 2019

La Naturaleza

Quarto dia de passeio no Atacama. O pequeno grupo de passageiros tem como destino as Lagunas Andinas. A van segue cordilheira acima. Primeira parada: café da manhã aos pés do Vulcão Licancabur, aqui excepcionalmente alinhado a seu companheiro Juriques. O guia discursa sobre sua admiração por “la belleza del paisaje”. Tomo mais um gole do quente chocolate, e concordo silenciosamente. 
Subimos um pouco mais, acompanhando a Ruta 27. Parece que nada cresce ao longo do caminho, só tons de marrom e cinza. Pedras de vários tamanhos se amontoam num arremedo de vegetação. Para desmentir as aparências, a van estaciona diante da Laguna Diamante, o Vulcão Pili refletido em suas calmas e verdes águas. O guia nos ensina sobre “los intensos colores”. Sento-me às margens da lagoa e aprendo, aprendo cores e formas. 
Mais um trecho de viagem e o topo do passeio se apresenta. A cabeça estranha os 4.800 metros acima do nível do mar, é difícil compreender as grandes esculturas rochosas. Lembram faces e corpos a postos, prováveis defensores do deserto. O guia revela seu profundo respeito por “los centinelas y las culturas ancestrales”. Ao lado dos Monjes de La Pacana, sinto-me tão miúda!
A última parada do passeio não está longe. Em poucos minutos, alcançamos o Salar de Aguas Calientes. Desço da van com o celular em punho e procuro o melhor ângulo para as fotos. Sem perceber, ponho-me de joelhos na busca do enquadramento ideal. Ali, no chão, diante da beleza impossível de capturar, uma grande emoção me invade. Os versos da canção de Violeta Parra ecoam dentro de mim: gracias a la vida que me ha dado tanto...e ficam se repetindo, se repetindo, naquele curto período de agradecimento e celebração. Levanto-me enxugando as lágrimas, sinto-me abençoada, mas, ao mesmo tempo, meio sem graça pela exposição. Ouço a voz do guia a se solidarizar comigo. Não há como escapar da força de “la naturaleza”.


Gracias, Genaro (guia) e Óscar (motorista), profissionais apaixonados pelo Atacama, pela incrível experiência nas Lagunas Andinas.

Para ver outras imagens, clique em: Galeria de Fotos- La Naturaleza

Para saber mais sobre a viagem, leia também: 1 Enfim, o Atacama; 2 Licancabur, Seu Lindo!

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Na Rede:
  • Gracias a La Vida tornou-se a principal canção da minha playlist no Atacama. A compositora e intérprete, Violeta Parra, era chilena, mas, para mim, a mais emocionante gravação é a da argentina Mercedes Sosa.   https://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Licancabur, seu lindo!

Não fosse ele um vulcão, seria o macho alfa do pedaço. Orgulhoso e exibido, insiste em se apresentar sempre à frente de seus companheiros. A forma cônica bem proporcionada e os sulcos longilíneos que lhe escorrem pelas faces transformam o brutamontes de quase 6 mil metros de altitude em uma figura elegante no horizonte. 
Onipresente na região de San Pedro, alimenta-se das interjeições (tantos ohs! e uaus!, entre outros elogios) que preenchem os ares, pois não há um único ser que resista aos seus encantos. Desconfio que toda esta bajulação tenha graves consequências na personalidade do vulcão, já chegado a uma egotrip. Em vez de cinzas e lava, em caso de erupção, é bem capaz dele derramar um estrondoso brado, que será ouvido por todo o Atacama: Li-can-ca-burrr! Sou liiin-do!


Para ver outras imagens, clique em: Galeria de Fotos- Licancabur, Seu Lindo!

Para saber mais sobre a viagem, leia também: 1 Enfim, o Atacama; 3 La Naturaleza

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Enfim, o Atacama

Visitar o deserto do Atacama era um desejo antigo, muitas vezes adiado por medo. Sim, medo. Além dos medos normais que me pegam pelo pé antes de qualquer viagem – medo do incerto, do incontrolável, do que pode dar errado – o de mais impacto, neste caso, era o medo da altitude. 
Não é um sentimento muito antigo, começou em 2015, no Peru, quando conhecemos o soroche. O mal de altitude mostrou-se por completo, sem nos poupar de qualquer sintoma: no Mário, dor de cabeça e cansaço; em mim, batimentos cardíacos totalmente descontrolados. Meu coração que, ao nível do mar, costuma pulsar em ritmo de Bossa Nova, em Cusco resolveu seguir os compassos de Samba Enredo. Foram necessários quatro anos, muita conversa com outros viajantes e a opinião do cardiologista da família para que superássemos o medo das alturas. Regressamos de San Pedro de Atacama na semana passada com a coragem revigorada na mala. Medo? Que medo?
Decisão tomada, a viagem foi planejada cuidadosamente a partir de duas premissas: evitar o período de chuvas (sim, pode chover num dos desertos mais secos e áridos do mundo durante o inverno altiplânico, que vai de dezembro a março); e aproveitar os dias de lua nova para que nenhuma luz pudesse ofuscar a observação do céu. Plano traçado, passagens compradas, desembarcamos, cheios de expectativas, em San Pedro no dia 03 de abril, uma quarta feira à tardinha. 
Duas horas depois da nossa chegada, sabe o que aconteceu? Choveu! Choveu forte! Choveu a ponto de enlamear as ruas do povoado. O tempo fechado provocou a primeira baixa: o tour astronômico foi cancelado. Após o jantar, voltamos ao hotel driblando as poças, tentando espantar a decepção e lamentando a falta de sorte. Durante a noite, os deuses atacamenhos devem ter se compadecido de nós e decidido afastar cada uma das nuvens carregadas. O restante da semana se passou com sol e céu azul. A chuva, a última da temporada, transformou-se em neve nos picos da Cordilheira. Chuva branca e linda de se ver. Muita sorte a nossa!
Laguna Miscanti
Vista da Cordilheira a partir de Pukará de Quitor
Vicunhas pastando no caminho para as Lagunas Altiplânicas