terça-feira, 4 de setembro de 2018

Sem Explicação

- Calma, pensa melhor. Você deve ter ido lá! Pelo menos uma vez, na infância, com certeza – pondera o interlocutor, inventado pra debater comigo mesma e tentar acalmar o coração, enquanto vejo, domingo à noite, as imagens na TV.

- Espera, não tô conseguindo nem raciocinar com esse fogo lambendo os meus olhos e a minha memória - retruco amargurada. Talvez no primário... Lembro-me de um passeio da escola a uma ilha da Marinha, na Baía de Guanabara. E de ter ido ao Museu da República com a minha mãe. Só isso! Não, nesta época eu não conheci o prédio.

- Pode ter sido com a sua avó, naqueles programas planejados pra depois da Missa das Crianças no Largo do Machado
 – ele argumenta, tentando me reanimar.

- Acho que não. Só me vêm à cabeça os filmes com a Rita Pavone no cinema Azteca, sessão das dez da manhã. Às vezes, assistia aos desenhos do Tom e Jerry. E nada disso acontecia na Quinta da Boavistacompleto já sem esperanças de uma saída honrosa, ao mesmo tempo em que as labaredas explodem através das janelas da grande construção.

- Mas depois de adulta, depois de ter se tornado uma EDUCADORA – enfatiza, sem piedade – é claro que você conheceu o lugar!

O telhado desaba sobre as minhas convicções, mas, com o baque, esboço uma reação.
- Alto lá! Eu tenho muito orgulho de sempre, sempre ter visitado com as crianças os mais variados espaços culturais da cidade! Dos mais tradicionais, dedicados às artes, história, ciência e tecnologia, aos pequenos centros das vizinhanças... É muito injusto me questionar sobre isso!

- Então, não há por que se martirizar. O Museu Nacional está entre estes centros de cultura que você conheceu acompanhando os alunos, certo? – desfere, em brasa irônica, a pergunta final. Pra completar, a falta de água mostrada na TV, me desespera.

Calo-me, sem nenhuma explicação plausível. Fecho os olhos. Somem as imagens perturbadoras, os efeitos do incêndio, não. Permanece uma incredulidade triste diante do descaso de tantos, do meu descaso inclusive. Uma saudade imensa, pelo o que não vivi, queima dentro de mim.

O Incêndio - Portinari - 1955