quinta-feira, 22 de março de 2018

Bye Bye, America

O nome oficial é United States of America, mas toda a grandeza da nação cabe em uma única palavra. Em qualquer conversação, basta referir-se a AMERICA para que a ideia de país impregnada nestas quatro sílabas seja imediatamente compartilhada: Here in America…; By the way, it’s America; God bless America! Parece óbvio que generalizações como esta ocorram no campo da linguagem, eu sei! Acontece que nos primeiros dias da viagem, enquanto buscava pescar uma ou outra palavra conhecida no mar de sons e significados estranhos, era fisgada pela sonoridade familiar e logo me sentia incluída: 
- America? Presente! Eu sou América da cabeça aos pés. Let’s talk about ourselves. 
No instante em que compreendi que, para os americanos, a South America não está no mesmo patamar linguístico, consegui estancar a sucessão de mal entendidos. Quem me salvou foi o Trump, veja só! Quando pairava alguma dúvida, corria a rememorar o slogan da campanha presidencial – Make America Great Again – pra constatar que não, definitivamente, eu e meu interlocutor não falávamos sobre a mesma América. Uma simplificação necessária a fim de me garantir um pouco mais de intimidade com a língua inglesa, já que, mesmo em um trivial bate-papo, sinto-me tão confortável quanto um faquir em sua cama de pregos.

Depois da visita às montanhas, começamos a nos despedir de America. Os três últimos dias do percurso foram frenéticos: mil quilômetros a dirigir e mais duas cidades a conhecer, antes de fechar o nosso círculo geográfico. Ao final de cada longa jornada, me recriminava por ter planejado lugares demais pra tempo de menos, sentimento que, felizmente, Charleston e Atlanta fizeram o favor de espantar.

À beira mar, Charleston concentra todo o peso da tradição sulista temperado com uma atmosfera arejada e praiana. No centro histórico não faltam referências ao passado escravocrata e à Guerra Civil - ruas com calçamento de pedra, construções inspiradas nas grandes fazendas algodoeiras, estátuas dos generais vitoriosos e até bandeiras dos Confederados – ao lado de lojas de grife, renomados restaurantes, antiquários e galerias. Os ares da modernidade também estão nos barcos e marinas, nas grandes avenidas e nas pontes cruzando o emaranhado de rios que desembocam no oceano. Tem água, muita água, em toda a região. Tanta água que transbordou do céu, em uma forte pancada na manhã da nossa visita. A chuva ajudou na seleção dos programas que coubessem no calendário apertado: nada de praia ou grandes passeios ao ar livre. Com isso, o dia inteiro que passamos em Charleston até que foi suficiente, mas a cidade merece pelo menos mais 24 horas de reconhecimento. Antes de voltar ao hotel, passamos no Melvin’s pra devorar um legítimo barbecue – pork ribs, BBQ sauce, green beans, cornbread. Ambiente simples e comida muito gostosa.

No dia seguinte, malas prontas, pé na estrada mais uma vez. A fim de otimizar o roteiro, o pernoite em Savannah teve que ser cortado, mas, no caminho para Atlanta, demos uma passada pelo centro da cidade. Pelo que vimos, a alteração não foi uma grande perda, embora uma chuva forte tenha caído justamente durante o passeio e, talvez, tenha comprometido o nosso julgamento. Pra tirar a dúvida, só mesmo voltando por lá...

Depois de mais um estirão dentro do carro, chegamos à última parada: Atlanta, a capital da Geórgia. Uma cidade movimentada, entrecortada por eixos rodoviários que facilitam a circulação e o acesso aos bairros mais distantes. Quer um exemplo pra entender a importância econômica de Atlanta? Adivinha onde fica a sede da Coca-Cola? E a da Delta? Sem falar na AT&T, CNN... Mesmo poderosa, Atlanta foi bastante afetada pela crise de 2008 e os altos níveis de desemprego ainda não foram totalmente revertidos. Numa tarde, procurando vaga pra estacionar o carro e ir a uma cervejaria, acabamos passando numa região repleta de moradores de rua, gente em pobreza extrema que parecia aguardar por algo. O garçom do bar nos explicou que aquelas pessoas seriam atendidas por um abrigo, teriam acesso à comida e a um teto provisório. Na avaliação dele, a capital vinha se recuperando gradualmente, e, com a população melhorando de vida, já não eram necessários tantos abrigos quanto em anos anteriores. Não deve ter sido coincidência o fato de, em toda viagem, apenas em Atlanta termos sido abordados por pedintes, pessoas comuns que alegavam ter fome. 
Se a luta atual da população é pelo resgate da economia, a batalha mais emblemática, encarnada por Martin Luther King, foi contra o segregacionismo racial e pelos direitos civis dos negros. A visita ao bairro onde nasceu o pastor, transformado em área histórica, é uma experiência forte. Há um centro de exposições com detalhes da vida, da morte e da luta de King; pode-se adentrar a igreja batista onde ecoam as suas principais pregações; ou circular pela vizinhança e conhecer as casas do início do século XX que compunham o cenário da sua infância. Além da emoção de ouvir o belo discurso “I Have a Dream” sentados nos bancos de madeira da Ebenezer Church, ficamos especialmente tocados por estarmos lá exatamente num 28 de agosto, o mesmo dia da Marcha de Washington em 1963, quando Martin Luther King convocou America a sonhar com ele. Cinco décadas depois de sua morte, é necessário reconhecer que, entre avanços e retrocessos, há ainda muito o que sonhar, e lutar, para que pessoas de todas as nações, de diferentes Américas, tenham direito à igualdade, à liberdade e à paz. 












------------------
Todo mundo sabe que quem conta um conto, aumenta um ponto... Eu, pelo tempo que levei pra contar um passeio de 14 dias, devo ter aumentado vários pontos! Mas juro que a minha intenção com os toques ficcionais, as ênfases subjetivas, os enfeites aqui e ali foi tornar mais colorido e sonoro o relato de nossa aventura. E, claro, conquistar mais alguns leitores para o Blog! 😇😇
Espero que estejamos juntos em outras crônicas. Até lá.

Para ver outras imagens, clique aqui: Galeria de Fotos - Bye Bye, America
--------------------------------------------
Na Rede: