quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Não É Tarde

Ando pela cidade. Tenho pressa, sei que devo chegar a algum lugar. Mas qual? Olho ao redor, longas ruas se cruzam, embaralhando a direção a seguir. Escolho a larga avenida. Enquanto caminho, observo vitrines e letreiros. Aperto o passo, os quarteirões se sucedem. Viro a esquina e o grande parque se deixa ver. Será por aqui?

Sim. Lembro-me que é verde o almejado território e passo a perseguir, aqui e ali, as frondosas árvores. Elas me ajudarão! Quando me aproximo, esperançosa, o vento sacode as copas mais altas e uma chuva de folhas coloridas se desprende delas. São amarelas, laranjas, vermelhas, e cobrem o chão. Não é mais verão, não há mais o verde. Não vai dar tempo, eu sei.

Talvez este meu lugar esteja mais ao sul, imagino, quando um som de pisadas no tapete de outono me atrai a atenção. Um homem se diverte com o croc croc vegetal. Reconheço-o. Muita sorte ver o Nelson Motta por aqui. Corro para perguntar-lhe como chegar ao sul. - É fácil, ele me diz. Basta seguir as torres do World Trade Center. E se vai, rindo, antes que possa questioná-lo.

Sem sul, sem verde, retomo a caminhada errante. Tenho pressa, mas as pernas pesam. Arrasto-me pelas alamedas a procura do tal destino. Qual destino? Qual?

A resposta me vem num clarão, no instante em que reconheço o vulto ao longe. Descarto a busca geográfica, pois, agora sei, há alguém que eu preciso finalmente encontrar. Aperto os olhos, quase não consigo distingui-lo no aglomerado que o cerca. Aproximo-me com passos lentos, planejando a melhor abordagem. Tanto mal já me havia feito.

Viro-me, subitamente, ao ouvir a voz da mulher ao meu lado: - Ele não sabe, não sabe! Então, que culpa tem? Recuo por um momento. Talvez ele nem saiba mesmo o que representa pra mim.

Pessoas caminham na direção contrária, obrigando-me a desviar. Com dificuldade, aproximo-me um pouco mais. Alcanço-o ali no meio do Central Park e descubro, atônita, que tornara-se um ser imóvel. Imóvel como nunca antes. Vacilo. Eu o conheci tão cheio de pressa e aflição, amarrado às urgências cotidianas, olhos fixos nos ponteiros do grande relógio. Está inerte. Só pode ser um disfarce para me confundir.

Crianças o cercam sem cerimônia, escalando, num sobe e desce ininterrupto, o seu corpo entorpecido. A presença das crianças não me intimida, ao contrário. Preciso impedir que ele saia a perseguir mais alguém, como a mim, com seu bordão irritante: é tarde, é tarde, é tarde... Tarde por quê? Tarde para quem? Como ousa tentar comandar o meu destino? 

Respiro fundo, finalmente serei senhora de meu próprio tempo. Nem Lewis Carroll poderá salvá-lo! Que amargue seus dias como um mero coelho de bronze! Grito e salto para alcançar-lhe a garganta.

Desperto assustada, mãos para o alto. Imagens fugidias preenchem o quarto do hotel. Viro-me na cama. Está escuro em Nova York, todos dormem. É cedo para a vida. Não é tarde, ainda.