sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Tempo de Halloween

Halloween não é, como eu imaginava, uma festa restrita ao dia 31 de outubro. É um estado de espírito que atinge boa parte da população americana, um clima divertido e colorido que se espalha pelas cidades por praticamente todo o mês. Enfeites, fantasias, festas e paradas contagiam crianças e adultos, e até os pets participam.  Como chegamos a Nova York, primeira etapa da viagem, no dia 15 de outubro, pudemos conviver com várias destas comemorações.

As pumpkins dominam a decoração de Halloween, onipresentes nas portarias dos prédios, em vitrines de lojas e entradas de restaurantes. Geralmente, são colocadas em bonitas composições com vasos de flores e detalhes em palha, e marcam a adesão dos moradores às festividades. O mercado de abóboras é promissor nesta época do ano!

Esqueletos seguem em segundo lugar na tradição decorativa dos americanos. Eles aparecem, principalmente, nos jardins das casas, em cenas bem corriqueiras: tomam sol em espreguiçadeiras, dirigem tratores, aguardam os visitantes no portão. Os personagens são de horror, mas o contexto inusitado torna tudo muito engraçado!

Há também os cenários horripilantes e soturnos, compostos por fantasmas, bruxas horrendas, caveiras e teias, além de machados e cordas. É o que predomina em Salem, região famosa por, no século XVII, ter sido palco de episódios de intolerância e histeria, com a perseguição e condenação de pessoas acusadas de feitiçaria. O legado de “Cidade das Bruxas” tornou Salem a capital nacional do Halloween. A programação é intensa e variada ao longo de todo o mês, garantindo a presença dos turistas e o aquecimento da economia. Passamos uma tarde entre museus, cemitérios e performances. Se não estivesse tão frio, teríamos participado de um tour à luz de velas por lugares assombrados, completando o clima apavorante. A frente fria que congelou Massachusetts nos dias em que estivemos no estado nos presenteou com temperaturas abaixo de 10 graus durante o dia. De noite, podia chegar a zero grau... Então, nada de passeios a pé por lugares abertos depois das seis da tarde!! Tive mais medo do frio do que das bruxas...

As baixas temperaturas, no entanto, não assustam os americanos que, com a proximidade do final de outubro, começam a encarnar os mais variados personagens (feiticeiras e afins, super-heróis, figuras de contos de fadas e da TV, e tudo mais que der na telha) e exibem, compenetrados e brincalhões, fantasias e adereços. Capas, chapéus, dentes postiços, laços, pipocam no metrô, em trajetos a pé, no supermercado e até no aeroporto. Este ano, com a culminância do Halloween acontecendo numa segunda-feira (dia de trabalho normal, sem feriado), os festejos começaram na sexta, se estenderam pelo sábado e domingo, e fervilharam na noite do dia 31.

Calhou que, neste final de semana estendido, fomos de Massachusetts a Illinois. Em Boston, circulando pelas redondezas do Faneuil Hall Marketplace, demos com um desfile de cães de estimação fantasiados (alguns de seus donos também...), e com grupos de jovens em trajes engraçados dirigindo-se aos bares desde cedo. Em Chicago, um dos points dos festejos foi o Navy Pier, com uma programação especial dedicada às crianças que circulavam com seus baldinhos em forma de abóbora, arrecadando doces dos adultos no melhor estilo trick or treat.

O ponto alto do Halloween, no entanto, foi ter acompanhado a Parada em Northalsted, no bairro da comunidade LGBT em Chicago. Lá, tanto as pessoas que desfilavam, quanto o público que assistia, exibiam as mais criativas fantasias. Tratei de providenciar um adereço para me sentir incluída. Não foi difícil! Logo encontrei a Beatnix, loja que, pela diversidade de itens, parecia ter sido importada diretamente de uma esquina da rua da Alfândega. Na minha avaliação de brasileira e carioca, porém, faltou um pouquinho de animação na parada propriamente dita. Uma bateria de bloco de Carnaval completaria bem a função. Mas, quando já nos dirigíamos para a estação do metrô, na volta para o hotel, deu pra ver pelo buchicho nas portas das inúmeras boates do bairro que a badalação estava apenas começando. 

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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Cadê a eleição que tava aqui? O gato comeu!

The Cat, nascido e criado no leste americano, tem um gosto peculiar: é um devorador de emoções, especialmente aquelas que animam os pleitos eleitorais.

Nos últimos meses, The Cat passou a circular pelos telhados com fome insaciável. A ação felina eliminou quase todos os sentimentos que americanos de carne e osso pudessem nutrir pelos candidatos Hillary e Trump. O fenômeno foi especialmente sentido por turistas estrangeiros que, como eu e Mario, desembarcaram nos Estados Unidos às vésperas da eleição do novo presidente. Nada de rejeição ou admiração, desagrado ou empatia, amor ou ódio... A vida transcorrendo nas ruas como se houvesse amanhã: sem cartazes, gritos de guerra, nem manifestações empolgadas.
-Ué! Cadê a eleição que devia estar aqui???
-The Cat, my darling. The Fat Cat...

A ironia é que, apesar de só termos visitado estados com tendência democrata, a candidatura de Hillary era praticamente imperceptível na vida cotidiana. Recordo-me apenas de uma mulher exibindo um adesivo pró-candidata.

Já as críticas ao republicano foram um pouco menos sutis. Apareceram em conversas com taxistas, geralmente imigrantes, indignados com as afirmações xenófobas de Trump, e em máscaras e fantasias que ironizavam o personagem louro. Também passamos por uma aglomeração na porta da Trump Tower, um endereço nobre de NY, mas por falta de sinais claros, fiquei sem saber se a manifestação era contra ou a favor ao megaempresário. No finalzinho da viagem, em Chicago, outro animal cruzou o nosso caminho. Um elefante-instalação, colocado na calçada da Michigan Avenue, convidava os passantes a registrar, em seu lombo-painel, as opiniões sobre um possível governo Trump. Quanto aos escritos, dá pra dizer que não eram os mais lisonjeiros...

Mas bastava voltar ao hotel e ligar a televisão para verificarmos que The Cat não apreciava as emoções oferecidas no cardápio midiático. Todos os dias, as redes de notícias produziam uma enxurrada de informações sobre as eleições, apresentadas na telinha como as mais polarizadas e imprevisíveis dos últimos tempos. O menu incluía opiniões, entrevistas, pesquisas e prognósticos, coberturas especiais, documentários, compondo um ciclo ininterrupto de retroalimentação, mas descolado da vida presencial. Sinal dos tempos? Poder das mídias sociais? Mais fácil atribuir ao paladar seletivo do nosso felino...                         -The Cat, my darling. The Fat Cat...

Embora uma parcela expressiva dos americanos já tenha escolhido o seu candidato nas votações antecipadas, hoje, 8 de novembro, é a data oficial para que os eleitores se manifestem. Estou curiosa para saber o resultado das eleições mais assépticas que já presenciei. Como contribuição brasileira, só me resta torcer: Fora Trump! Fica Hillary!

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dente Ruim

Era um dente ruim, abalado pelo tempo de uso. A cirurgia foi rápida: anestesia, corta, torce, extrai, costura. Vinte minutinhos e pronto. Dor nenhuma.

Pedi pra ver meu dente ruim. Olhei-o curiosa: raiz alongada, base em bloco com reentrâncias. Estranha parte de mim, assim fora do contexto original! Veio pra casa na bolsa, não pude aceitar seu destino cruel. Eu, no lixo!! Não!

Desde então, coloquei-o em destaque na escrivaninha, ao lado do computador. Encontro-o diariamente para um ritual de reconhecimento. Pego-o com cuidado, analiso as formas, as cores em seus claros e escuros, as marcas do boticão... Às vezes, me pergunto por que não o deixo ir. Concluo que não estou preparada, que gosto do dente ruim ali ao meu lado. Que mal pode haver? E o recoloco no lugar, de modo que possa vê-lo, e ele a mim. Apego sincero.

Joy também tinha um dente ruim, abalado pela falta de tratamento. A cirurgia foi ali mesmo, no Quarto. Na verdade, o dente foi se soltando... E a mão de Joy deu o golpe final. Sem anestesia, sem costura. Com alguma dor.

Jack pediu pra ver o dente ruim. Olhou-o curioso. Estranha parte da mãe, assim fora do contexto original. Guardou-o dentro da sua boca pequena, boca de cinco anos de idade.

Conheci Joy e Jack poucas semanas depois do caso com o meu dente.  No filme O Quarto de Jack, os personagens sobrevivem a anos de isolamento em minúsculo cativeiro. Um forte vínculo afetivo os livra da loucura e da morte. O poder simbólico do dente ruim reforça esta união. Os dois, sempre em dois.

Para Jack, no Quarto está tudo que existe: a cama, o armário, o tapete, os livros, a TV, o bolo de aniversário. O que não está lá, concretamente, habita a sua imaginação. Mas, dentro daquele ambiente precário, há o Mundo. Um rico mundo traduzido e construído por Joy, com o que ela considera essencial: literatura, arte, movimento, linguagem, organização.

Ali sentada no escuro, fiquei me perguntando sobre as forças que encorajam Joy no cativeiro. Além do amor pelo filho, base de toda a narrativa, vislumbrei, num momento de risada, a completa explicação. Dentro da boca de Joy também havia um dente intruso, suplementar, simbólico... Um dente ruim, daqueles que despertam apego sincero.


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Já tinha me planejado para ir ao Fórum de Psicanálise e Cinema da UNIRIO por diversas vezes, mas sempre acontecia um imprevisto. Finalmente, na última sexta-feira de agosto consegui assistir ao filme programado (O Quarto de Jack) e participar do debate com psicanalistas e professores da instituição. A partir desta experiência, o caso do meu dente ruim, ressignificado, acabou virando texto para o Blog.
http://www.unirio.br/news/forum-de-psicanalise-e-cinema-inicia-atividades-do-segundo-semestre

quinta-feira, 14 de julho de 2016

A Cerimônia do Chá

(releitura do conto A Lei do Silêncio, de Victor Giudice,
exercício do curso de Introdução aos Gêneros Literários)
Casei por amor.
Você não acredita? Quanto preconceito! Uma jovem pobre, órfã de pai e moradora de uma pensão no Catete não poderia se enamorar de um refinado homem de meia idade?

Pois fique sabendo que casei por amor!
Amor, sim, pelas reais possibilidades de ascensão social que aquele senhor representava. Amor pela concretização de um sonho cuidadosamente acalentado desde a meninice tão escassa de prazeres.
Quer maior demonstração de amor próprio?

Do início do namoro ao casamento, me vali de algumas artimanhas e, claro, de minha boa aparência. O porte esguio, a pele clara e os olhos azuis foram as credenciais para que circulasse sem constrangimentos no ambiente esnobe da futura família. No entanto, de nada teriam adiantado não fosse o conveniente acidente que nos aproximou. Atravessava distraída a rua e não percebi a aproximação do Cadillac vermelho. Por sorte, o motorista conseguiu desviar e, nem eu, nem o Cadillac, sofremos maiores danos. Foram os astros! Só mesmo o Sol em conjunção com Júpiter pra o nosso encontro acontecer, e o motorista logo, logo, virar meu marido.

Jura? Você não crê em astrologia? Eu também não! Mas uma explicação romântica é muito conveniente pra quem se casa por amor, certo?

Mudamos para um enorme apartamento num elegante prédio da Praia do Flamengo, um pouco antes da inauguração do Aterro. De lá pra cá, dediquei-me, em êxtase, às viagens à Europa, às roupas alinhadas, aos objetos de luxo. Tenho especial apreço pelo aparelho de chá de Limoges, disposto delicadamente na cristaleira da sala, de modo que possa usá-lo sempre que necessário.

Sou uma mulher realizada, e até poderia dizer que alcancei a felicidade não fosse um pequeno desvio. Todas as noites, após o jantar, enquanto meu marido prepara a sua xícara de chá, desato a recriminá-lo por adoçar em demasia a bebida. E tanto falo, e repito, sobre os malefícios do açúcar que o homem chega a se exasperar. Eu não recuo, continuo a irritante lengalenga até que ele aceite, goela abaixo, o amargor da nossa cerimônia do chá.
Você deve estar comovido com os meus cuidados de esposa! Que tolo! Nesse jogo verbal diário convivem prazer e desprezo, ilusão e cinismo... Um jorro incontrolável de palavras cuspidas entredentes! Meu marido percebe... e joga também.

Mas hoje, quando me virei com o açucareiro nas mãos, vi-o empunhando o Colt e apontando em minha direção. Num flash, a situação me lembrou um duelo de faroeste: dois personagens, cada qual com sua arma em posição de tiro. Pousei delicadamente o açucareiro sobre a mesinha chippendale e aguardei que a cena se desenrolasse com elegância cinematográfica. Um ou dois tiros, poucos danos aos objetos da sala, nenhuma algazarra que perturbe a lei do silêncio... É como eu faria. 

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Ver e Viver Inhotim

A Confraria
Antes da viagem, eu imaginava que já sabia muita coisa sobre Inhotim. Tinha ouvido relatos de amigos e parentes, lido postagens na Internet e me entusiasmado por tabela com os comentários:   - É uma beleza!     - Coisa de primeiro mundo! - Prepare-se para andar muito, mas vale a pena...

Aproveitando uma e outra informação, e certa de que seria uma ótima experiência, dediquei-me aos planejamentos práticos – como ir, onde ficar e por quantos dias. Mas, logo que cheguei ao instituto, percebi que não estava preparada para a visita. Perplexa, fiquei me perguntando: mas por que eu não tinha ideia de que era assim?!?

A resposta só pode ser a existência de uma secreta Confraria dos Amantes de Inhotim (CAI), formada por membros espalhados por todo o Brasil. É gente que, sorrateiramente, se esmera em camuflar os detalhes do passeio, iludindo os novos visitantes. Os truques da Confraria são por um bom motivo: preservar a inocência dos que chegam por lá, para que nenhum pré-conceito ou experiência anterior interfiram neste olhar inaugural. Comigo, a mágica funcionou... E, pelo que observei em volta, atingiu grande parte dos visitantes. Quase desprovidos de expectativas, circulamos (eu e eles), com nossos mapinhas nas mãos, construindo inéditos sentidos para os jardins, galerias e instalações.

Neste processo de descobrir Inhotim, conheci o Lucas, um dos monitores da Galeria Psicoativa. Ele me fez ver que a Arte Contemporânea se nutre da multiplicidade de interpretações, da livre e ativa experiência do observador. Não há padrões ou regras, mas, sim, possibilidades. De alguma maneira, o Lucas me libertou. Parei de racionalizar e abri espaço para sentir.  Em geral, os sentimentos foram de leveza, alegria e encantamento, mas não escapei do desagrado, do incômodo e até do asco. Felizmente, só não me deparei com a indiferença.

Arquitetura é arte
Um dos meus principais encantamentos em Inhotim foi com a unidade indissociável das obras com os espaços que as abrigam. Há um casamento feliz entre paisagismo e arquitetura, e entre arquitetura e arte contemporânea. Caminha-se por aleias ajardinadas, passa-se por riachos e lagos, e, de repente, avista-se uma grande construção. Formas, cores e proporções, perfeitamente combinadas, concebem um todo harmônico que só poderia estar ali mesmo onde foi colocado. 

A sensação de afinidade se completa com a visita ao interior da galeria, especialmente naquelas em que uma única obra habita o local. A minha preferida é, de longe, True Rouge, de Tunga, mas também me deixei seduzir pelas galerias de Lygia Pape e Valeska Soares. No ponto mais alto do parque, destaca-se a nave circular de Doug Aitken que capta os débeis sons dos confins da terra. Já o belíssimo prédio que abriga as obras de Adriana Varejão faz qualquer um esquecer que o instituto tem hora pra fechar... 

De caso com o vermelho
Da ampla paleta de cores que tinge Inhotim, o verde é o grande destaque. O jardim botânico foi idealizado e concebido para manter sua beleza por todo o ano, independentemente das florações sazonais. As espécies selecionadas têm folhagens exuberantes, com formas e tamanhos incomuns, e foram organizadas com cuidado para destacar degradês em verde que, acreditem, podem chegar até ao roxo! Isto não quer dizer que não existam flores na enorme área arborizada. Elas estão lá, cumprindo o seu destino: delicadas, coloridas e efêmeras.

O problema é que eu tenho um caso com o vermelho. O verde me inspira, mas o vermelho... Talvez isto explique o grande impacto que dois espaços no instituto me causaram. Em True Rouge, é possível ver o jogo da transparência do vidro com objetos e líquidos vermelhos, tudo cuidadosamente (des)equilibrado em redes pendentes. Há várias interpretações para obra de Tunga, como a relação das ciências com a arte, e o destaque aos fluidos vitais... Mas, quando fecho os olhos e relembro a galeria, só me ocorre a pregnância da cor naquele amplo ambiente. Se não fosse vermelha, a obra não teria tal harmonia!

Por outro lado, em Desvio para o Vermelho, instalação de Cildo Meirelles, a cor incomoda pelo excesso: em cômodos de uma casa, praticamente tudo é rubro. Somos questionados sobre as causas desta impregnação... Tinta? Sangue? Amor? Quando fecho os olhos pra recordar aquele ambiente, a experiência é de aflição. Se não fosse vermelha, a obra não teria tal impacto!

Tempo e movimento
O tempo é o maior inimigo dos visitantes. Pra conhecer com calma e envolvimento cada canto de Inhotim, é necessário bem mais que os 2 dias que estivemos por lá. Afinal são 23 galerias, 22 obras salpicadas ao ar livre, 30 destaques botânicos, tudo numa área de 140 hectares. Um recurso indispensável pra conciliar tempo disponível e distâncias são os carrinhos elétricos que circulam pelos locais mais afastados e altos, mas eles não excluem as andanças por muitas áreas restritas a pedestres.

Em quase todos os espaços, há monitores (jovens formados em cursos internos) com boas informações para compartilhar com a gente. Quem quiser, ainda pode participar das visitas guiadas que acontecem pela manhã e à tarde. Eu bem que pensei em entrar num destes grupos, mas nos horários marcados estava sempre bem longe do ponto de encontro, perdida em minhas próprias descobertas...

Terminado o tempo regulamentar do passeio, o principal consolo é saber que sempre poderemos retornar ao belo parque sonhado e construído por Bernardo Paz. Aqueles que ainda não conhecem, mas pretendem visitar o instituto, não têm que se preocupar com as minhas confidências. Os associados da Confraria já devem estar em ação e, ao final da leitura, os possíveis viajantes saberão exatamente o que é fundamental para ver e viver Inhotim: - É uma beleza! - Coisa de primeiro mundo! Prepare-se para andar muito, mas vale a pena...
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Em tempo: pra planejar os meus passeios, costumo consultar um site cheio de informações úteis e escrito com muito bom humor – Viaje na Viagem. Mas é importante dizer que o Ricardo Freire (autor dos textos) é colaborador sênior da CAI!

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Para saber mais sobre a viagem, leia também: Já de saída a viagem entortou

terça-feira, 7 de junho de 2016

Carta para Maria

Rio de Janeiro, 7 de junho de 2016.
Cara Maria,

Tive vontade de te escrever depois que li a coluna Carta para X. Fiquei tocada com a delicadeza com que tratou de um tema tão doído, e com a sua coragem pra expor sentimentos íntimos.

Pra começar, queria dizer que, em maio, estive em Inhotim, a galeria de artes e jardim em Minas. Você conhece? Achei lindo! Uma das instalações que mais me emocionou foi Através, do Cildo Meireles. É um labirinto de materiais com poder de interferir no nosso olhar - cortinas plásticas, grades de ferro, tecidos translúcidos, cercas, aramados... - dispostos sobre um chão de cacos de vidro. Dependendo do lugar em que nos coloquemos na grande galeria, conseguimos capturar alguns detalhes do ambiente, e somos incapazes de enxergar outros. É como na vida, os limites pessoais filtram a compreensão do mundo. O bacana é que nosso percurso é dinâmico e quase sempre acontece “algo” que nos ajuda a mudar a posição no “labirinto”. Através de seus olhos, Maria, de sua experiência pessoal, como mulher e escritora, reencontrei X, pude vê-la para além do seu corpo maltratado. 

Há tempos que não escrevo cartas, desde a adolescência, acho. Aos 13 anos, me mudei com a família do Rio para Vitória. Para diminuir a saudade e a tristeza pela separação dos amigos e parentes, vivia nos Correios e, sempre que possível, entrava num ônibus–leito da Itapemirim. Foram anos (e muitas cartas) até ter coragem e idade, principalmente coragem, pra sair de casa e voltar a morar no Rio. Talvez você tenha sido mais destemida pra enfrentar a vida... Imagino que sim. 

A família é o núcleo primeiro (e porto seguro) onde nos tornamos gente e, no nosso caso, gente do gênero feminino. Na minha, sempre vigorou o matriarcado – avó, mãe, tias com “couro forte” pra enfrentar as adversidades, responsáveis por manter a estabilidade de filhos e maridos. Pra completar, meu pai tinha um discurso recorrente: moças têm que se dar o valor! Segui os modelos e vesti a fantasia de supermulher...

Acontece que a realidade, esta rebelde irresistível, acabou por quebrar a minha falsa onipotência. Mas foi bem depois da adolescência, do casamento, da maternidade, de algum tempo de terapia, das experiências profissionais... (Ainda hoje, às vezes, encontro a capinha de heroína guardada no fundo do armário e saio interferindo nisto ou naquilo, sem cerimônia. Minha filha que o diga...) Concordo com você, com o passar do tempo as coisas melhoram. Você já sabe que aos trinta fica quase bom. Vou te contar que, depois dos cinquenta, fica quase ótimo, embora a flacidez nas coxas e braços me chateie um bocado. 

Fiquei pensando, Maria, no que você falou sobre a nossa responsabilidade em construir uma sociedade mais respeitosa e igualitária. Percebi que nunca tive uma militância feminista explícita, e aí me bateu um pouco de culpa... Mas acho que não deixei de contribuir para a causa, como mãe e como educadora. Como mãe, aprendendo junto com a minha filha os mistérios (e delícias) do que é ser mulher. Como educadora, mergulhada no caldeirão social que é a escola, e envolvida num debate para integrar (sem discriminar) os anseios e potencialidades das crianças – meninos e meninas. O exemplo do Bento, e dos cuidados dele com o boneco, reforça a importância desta constante discussão. Nos anos em que trabalhei com educação infantil em escolas da zona sul do Rio, observei que a patrulha mais feroz acabava acontecendo com o comportamento dos garotos. Para algumas famílias, em opiniões geralmente expressas pelos homens, não era aceitável que seus filhos brincassem com bonecas, vestissem fantasias ou usassem maquiagem, mesmo em contextos de faz de conta, mesmo que tivessem de 2 a 5 anos de idade. O discurso da igualdade das mulheres já tem uma ressonância em pelo menos parte da sociedade e, talvez por isso, as meninas possam circular entre carrinhos, bonecos e futebol com (quase) a mesma naturalidade com que se vestem de princesas. Essa é uma percepção contextual e particular, não serve pra explicar os movimentos coletivos, mas entendo-a como um indicador de que nosso esforço deve ser o de garantir a todas as crianças ambientes acolhedores e encorajadores. Tarefa árdua, eu sei.

Antes de terminar, tenho que fazer mais uma revelação: esta carta demorou pra ser escrita bem mais do que eu desejava. Custei pra encontrar o tom das confidências: nem melodrama, nem superficialidade. Escrevi muitas versões, revisei-as, reorganizei parágrafos, revisei novamente. Sou pouco experiente neste ofício, e ainda insegura com as minhas produções. Será que esta insegurança diminui com o exercício da escrita? Com o contato com os leitores? Fiquei curiosa com o seu percurso de escritora. Deve ser difícil manter uma coluna semanal, com prazo pra cumprir, tamanho definido de texto, num jornal como O Globo... Mas também deve dar um prazer enorme... Espero que sim.

Com carinho,
Ana Beatriz

domingo, 29 de maio de 2016

A Convenção de Genebra

Caminhando na Lagoa, especialmente em domingos ensolarados, costumo recordar a Convenção de Genebra. Foi o Mario que me apresentou as novas deliberações da alta cúpula europeia. Evoca-se a convenção para criar e legitimar formas de convivência, ou para endossar as já existentes que carecem de reforço. Tudo de acordo com as conveniências do momento. Define-se desde quem deve acionar o controle do portão da garagem (se o motorista ou o carona), até o responsável por retornar uma ligação telefônica que tenha sido subitamente interrompida.

Para mim, no entanto, a orientação fundamental do documento é a que trata dos deslocamentos a pé em locais de muito movimento. Diz o Artigo 1º., do Capítulo 1º. dos Princípios Fundamentais:  - Pedestre, use sempre a faixa da direita. A recomendação virou “meme” familiar, repetida tantas vezes e em contextos diversos. Por fim, o artigo se sobrepôs aos outros e tornou-se sinônimo da própria Convenção.

Nas escadas rolantes das estações de Metro, em Paris, nos avisamos: Convenção de Genebra! (Os parisienses apressados são profundos conhecedores da convenção e não hesitam em atropelar os desavisados.)

Nas calçadas, em Amsterdam, alertamos: Convenção de Genebra! (Lá, os ciclistas têm plena convicção de que os passantes vão cumprir a cláusula pétrea. Turistas distraídos com as atrações da cidade correm sério risco de vida!)

Na ciclovia da Lagoa, quase não dá tempo pra declarar: Convenção de Gen.... Ai, meu Deus! (Suspiro aliviado)
A capacidade de criar e compartilhar expressões não é privilégio nosso, é parte da química que se dá entre membros de diversas famílias. Independe de laços sanguíneos, de gênero ou idade. É resultado de convivência, troca, afeto e empatia. Poderia valer até como parâmetro para a definição de Família no polêmico Estatuto...

Sobre essa liga que a língua criativa promove entre as pessoas, lembrei-me de um livro da Zélia Gattai que ganhei há tempos. Em Códigos de Família, a matriarca nos apresenta a gênese e os significados dos ditos que fazem parte do repertório do clã Amado. Os causos bem humorados, as expressões em sotaques e idiomas variados, compõem a versão da família baiana para a Convenção de Genebra.  

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Já de saída a viagem entortou!

Era para ser uma road trip por três estados, a bordo de um carro novo, esportivo e turbinado. Um ensaio para futuros percursos com quilometragem bem mais graúda, quem sabe entre Rio e Montevidéu.

Acabou transformando-se em rápidos trechos de avião, somados a trajetos em carro alugado - com distâncias de no máximo 140km. Vivemos todo o glamour que a classe econômica da TAM pode oferecer, sem falar na potência de um Sandero dos básicos!

Em resumo, a entortada arruinou os planos de liberdade e juventude do casal de meia-idade aposentado! Mas se tem uma (pelo menos uma) vantagem que maturidade traz é (tentar) ver o lado positivo da vida. Minha porção Pollyana se impôs e concluí: - Ainda bem que o carro pifou antes da viagem. Imagina parar no meio da BR-040 e ter que esperar por 15 dias a chegada da bendita peça! (Esse foi efetivamente o tempo que nosso Peugeot ficou em compasso de espera na concessionária).


O que justifica essa postagem, no entanto, além de usar a escrita pra rir um pouquinho de mim mesma, não é a valorização do otimismo como recurso pra encarar as frustrações. Mas, sim, contar que Belo Horizonte, Serra do Cipó e Brumadinho desentortaram nossas tristezas. Arte, natureza, ótima hospitalidade e gastronomia mineiras recuperaram nosso desejo por viajar por aí.

Para saber mais sobre a viagem, leia também: Ver e viver Inhotim

Igreja São Francisco de Assis - Pampulha - Belo Horizonte
Cachoeira Grande - Serra do Cipó
Estalagem do Mirante - Serra da Moeda
Inhotim - Brumadinho