segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A Cidade Que Nunca Acaba

Eu tinha vinte e poucos anos quando fiz a primeira viagem com meus próprios recursos, sem precisar pedir dinheiro ao pai ou à mãe. Aproveitei as férias no trabalho e na faculdade, convidei uma amiga, e nos enfiamos por 20 dias num ônibus da Soletur numa excursão para o sul do Brasil. Saímos do Rio, tendo Curitiba como primeiro destino. Já era noite quando as luzes de uma cidade começaram a aparecer na minha janela. Perguntei ao guia onde estávamos e ele me disse que atravessávamos uma das vias marginais de São Paulo. Acompanhei o percurso na larga avenida, passaram luzes, construções, carros, pontes, viadutos, mais carros, construções, outras luzes... Depois de um tempo, fiz a pergunta outra vez, e a resposta pra ele, óbvia: “São Paulo!” “Ué, ainda?” “Sim, ainda.” Olhos grudados no vidro da janela, acompanhei cada quilômetro da cidade que se revelava estranha, imensa, dilatada, excessivamente espalhada, para, em seguida, compreender a verdadeira natureza de São Paulo: uma cidade que nunca acaba.
Nesses mais de trinta anos desde a minha epifania paulistana, voltei pouquíssimas vezes a São Paulo, geralmente para cursos na Escola da Vila. Na única estada em que fui realmente turista, consegui conhecer alguns pontos emblemáticos da capital, como Ibirapuera, Liberdade e, que sorte, o Museu da Língua Portuguesa. A cidade que nunca acaba começou a me parecer um pouco menos assustadora. 

Só recentemente, desde que enteada e netos se mudaram pra lá, é que minha relação com a megalópole se transformou. Na semana passada, voltei da sexta visita num intervalo de quase dois anos. A cidade continua imensa, dilatada, excessivamente espalhada, e a cada dia ainda maior, estendendo seus tentáculos territoriais aos municípios vizinhos, que se rendem às suas investidas. Eu, no entanto, mudei. Tirei os óculos embaçados dos recém-chegados e aprendi a olhá-la com indiscrição, buscando, por debaixo das suas vestes cinzentas e um tanto disformes, espaços acolhedores de bem estar e cultura. 

Descobri pequenos e grandes parques, como o Severo Gomes e o Parque do Povo, tão verdes e organizados, se oferecendo a moradores e passantes. Visitei incríveis museus que apresentam os mais diversos campos da arte e do conhecimento humano: o MASP e os cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi; o MAC, com belo acervo e terraço panorâmico; o Museu da Casa Brasileira, onde as moradias mais simples são também representadas; a Galeria Amoa Konoya, especializada em arte indígena; o MIS, com painel diverso de mostras fotográficas, além do pequeno e ecológico MUBE. Enfileirados, na Avenida Paulista, Instituto Moreira Salles, Itaú Cultural e Centro Cultural Fiesp nos fazem acreditar que a força da grana também pode erguer coisas belas. Crença reforçada agorinha, com a visita ao Farol Santander, espaço de exposições encravado numa colina bem no centro da cidade. 

Saciado o desejo de beleza e arte, resta matar a fome mais primitiva, e a cidade ajuda, como ajuda! Tem “dois pastel” da feira, café da manhã na padaria, botequim e food truck, bistrô, churrascaria, restaurantes com comida do mundo inteiro. Já me fartei no Almanara, no Rancho Português, no tradicional Roperto do Bixiga, e nos rituais do Sukiyaki House. 

Mas ainda falta muito a desbravar. É lento, e talvez infindável, o processo de desnudamento da cidade que nunca acaba, porém, sou paciente. Agora, que já somos bem próximas, posso despedir-me com intimidade: Até breve, Sampa. 


Para ver outras imagens, clique em: Galeria de Fotos- Sampa

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Para quem não conheceu, a Soletur foi uma empresa pioneira em turismo popular, uma espécie de CVC dos anos 80 e 90. A classe média começou a circular pelo Brasil em pacotes rodoviários e aéreos, parcelados em inúmeras prestações. A empresa cresceu, encorpou, passou a atuar também no exterior, pra a alegria da brasileirada, até que em um dia de 2001 quebrou, fechou as portas sem nenhum aviso, deixando os clientes atônitos, e a pé, mas com os carnês pagos nas mãos.

4 comentários:

Unknown disse...

Sempre bom ler. Abraço Max

Simone disse...

Muito bom seu texto sobre a redescoberta da cidade de São Paulo. Eu também sempre tive essa sensação de que ela é muito megalópole e um tanto hostil. Mas é possível desvendar outros caminhos e encontrar o que ela tem de bom. Bacana a citação à canção Sampa, de Gil e Caetano.

angela disse...

Numa tarde cinza chuvosa, sentei para por em dia minhas leituras. Nada mais gostoso do que ler suas crônicas! Estou começando aqui, bem combinando com o dia, em São Paulo. Adorei. Ainda vou lá....

João Paulo Vaz disse...

Tenho uma relação parecida com São Paulo. Acostumado a ir só
a trabalho, contando os dias para voltar ao Rio, fui recentemente com minha namorada que morou sete anos lá e me mostrou outra cidade.