terça-feira, 3 de outubro de 2017

Tiros em Las Vegas

Para dar continuidade aos relatos de viagem, que prometi na publicação passada, este texto deveria ser sobre Chattanooga, a primeira cidade visitada no Tennessee. Mas, de repente, sem nenhum aviso, a realidade se sobrepôs ao meu desejo. Acordei ontem com a notícia do atentado em Las Vegas durante um show de música country: 59 mortos e mais de 500 feridos!

As imagens divulgadas na tevê me impressionaram pela desproporção do poder do atirador – protegido no alto do prédio e com armamento pesado – em relação à posição indefesa do público, usufruindo do momento em campo aberto. Correria, caos, medo e morte em mais um massacre nos Estados Unidos. Como nos eventos anteriores, em que pessoas foram atingidas em atividades cotidianas, e diante da impossibilidade de compreender a lógica (ou loucura) dos matadores, voltou com força o debate sobre o controle da venda de armas no país.

A salvo na minha sala de estar, fiquei me perguntando se, para se defender, como prevê a constituição e desejam muitos americanos, a população civil precisa de fuzis e metralhadoras de alto poder letal que, nestes massacres, têm sido usados justamente contra a tão almejada segurança individual. 

Ao mesmo tempo, tentei me lembrar de momentos da viagem em que tivéssemos esbarrado na cultura das armas, em sinais do apreço do povo por revólveres e afins. Concluí que só em duas situações nos deparamos com o tema, mas pela via da restrição ao uso. Tanto na visita guiada à destilaria Jack Daniel, quanto no teatro Grand Ole Opry, fomos avisados que armas não seriam aceitas no interior dos estabelecimentos. Isso apesar da viagem ter se concentrado no sul do país, região tradicionalmente mais conservadora e republicana. Tennessee, Carolina do Sul e Geórgia elegeram Trump com margem folgada de votos.

É claro que uma estada curta, como turista, não me faz uma expert na sociedade americana, só me credencia a falar a partir do meu ponto de vista, uma abordagem parcial e intransferível. Feita a ressalva, digo que esta foi uma das viagens em que me senti mais segura e tranquila ao circular por ruas, parques, casas de shows e bares, de dia ou à noite. Não vi ninguém portando armas, não ouvi tiros nas ruas, nem discussões ou nervos à flor da pele. Ao contrário, a população usufrui de espaços públicos com gentileza e organização, as casas são ajardinadas, sem grades ou muros, e as mochilas circulam tranquilamente nas costas de seus donos. No dia do eclipse, no parque repleto de espectadores de todo o país, ninguém parecia preocupado com seus pertences ou com os equipamentos (binóculos, máquinas fotográficas, telescópios) caríssimos. Uma paz invejável!

Paz que também me invadiu quando, já anoitecendo no Centennial Park, em Nashville, encontramos um senhor tocando o seu instrumento à beira do lago. O som do violoncelo transformou-se, para mim, na trilha sonora da alegria de viver. Torço para que, mesmo diante da maldade e da morte, o povo americano (re)encontre o seu hino de esperança e felicidade.

Um comentário:

Unknown disse...
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