segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Nós e as Crianças

Aqui dentro, estamos a salvo. A maldade só existe lá fora e, se ela vier, terá que bater à nossa porta. Para nos proteger, basta cuidar das entradas, do entorno, das fronteiras. Redobramos a atenção no portão, suspendemos o muro, convocamos a presença da patrulhinha; afinal o bairro anda tão violento ultimamente. Um conjunto de câmeras de vigilância já foi encomendado, mas ainda não ficou decidido se os passeios serão suspensos. Será uma boa ideia circularmos, nós e as crianças, no mundo da maldade que existe lá fora?

Melhor ficarmos no interior desta casa. Aqui reina a força de vida, um ciclo dinâmico e complementar de risos e choros, acertos e discórdias, afeto e crescimento. Convivendo dia a dia, nos olhamos nos olhos, nós e as crianças. O desejo de morte só viria de quem não nos conhece. Quem já nos olhou nos olhos, há de nos querer o bem. 

E seguimos crédulos e confiantes. Somos fortes e temos nosso quinhão de felicidade, nós e as crianças. Aqui dentro, estamos a salvo. Estamos? Estávamos! Até outro dia, quando a lógica se quebrou. A morte premeditada encontrou lugar nas entranhas de num espaço tão igual ao nosso, pelas mãos de quem se sabia o nome, e se reconhecia a face. Fogo e dor ao norte de Minas Gerais. Aqui, onde estávamos a salvo, cresce o espanto e morre a ilusão, escancaram-se os limites protetores. O que será de nós e das crianças?

Ilustração - Crianças Brincando - Portinari - 1960

2 comentários:

angela disse...

Maravilhoso, Ana. Parabéns.

Ana Beatriz disse...

Fico feliz que tenha gostado, Angela. Bjs.