quinta-feira, 29 de junho de 2017

Cinema: Birras, Lembranças e Deleites

Praticamente todo mundo já tinha assistido aos filmes que ganharam o Oscar em 2017, menos a galera aqui de casa. Finalmente, nas 2 últimas semanas, corremos atrás do prejuízo e vimos 3 longas premiados e bastante comentados. Escrever sobre eles, eu sei, pode ser até um desperdício do meu tempo, e do tempo dos meus possíveis leitores. Não pude, entretanto, combater as ideias que teimavam em se apresentar. Resolvi organizá-las em pequenos textos e publicar no Blog. São relatos, em primeira pessoa, de quem quer compartilhar as birras, lembranças e deleites que só os bons filmes sabem despertar.
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Antes do meio do filme, eu já estava me sentindo traída:
Pera aí! O Juan morreu? Mas ele não é o traficante que vira mentor e salva o Chiron da violência e do abandono? Eu li isso na sinopse! Que protetor é este que sucumbe antes da missão cumprida? 

Algumas cenas adiante, tive que me render: o roteiro de Moonlight não trata de superação e redenção. Conta, com amargor e uma tristeza profunda, as batalhas, e derrotas, de um jovem negro, pobre e desamparado.

Embirrei com a sinopse, pela propaganda que julguei enganosa. Quase embirro com o filme todo, entrando numa de questionar cada situação. Aos poucos, no entanto, o personagem foi me comovendo: a expressão solitária do olhar, a economia das palavras, o mal estar com o próprio corpo, mesmo depois de se metamorfosear de garoto franzino em colosso marombado. Com migalhas de amor e cuidado, Chiron sobrevive, apesar de tudo e de quase todos, apesar também da instituição escolar, que mostrada em poucas e absurdas cenas, revela-se totalmente alheia à vida dos jovens estudantes, suas necessidades, desejos e problemas. Numa escola descompromissada, o que importa realmente ao professor é o conceito de ácido desoxirribonucleico... Triste realidade! 

Já no fim do filme, a minha birra voltou. Ouve-se Caetano cantando Cucurrucucu Paloma, uma bonita canção, sem dúvida, mas que ficou totalmente atrelada ao enredo de Fale com Ela, de Almodóvar. Fosse eu a responsável pela trilha sonora, não teria dúvidas, escolheria como música-tema Gota D’Água, na voz de Chico Buarque: 
          Deixe em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa...
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Diferentemente de Moonlight, Manchester à Beira Mar me arrebatou desde o princípio. Já nas cenas iniciais, vivi uma espécie de déjà vu. A paisagem pareceu familiar: céu coberto de nuvens cinzentas, vento gelado, neve, e um frio de doer. Eu nunca estive em Manchester, moro entre os trópicos e começo a me agasalhar quando os termômetros atingem 20 graus, mas, de pronto, intuí a dramática força da história. Creio que as lembranças da minha viagem a Cape Cod, uma península no mesmo estado de Massachusetts onde o filme acontece, contribuíram para esta sintonia. Embora fosse outono, uma intensa frente fria nublou os nossos dias, dando um toque melancólico e introspectivo a cada experiência. Em tons existenciais similares, mas bem mais fortes, o roteiro do filme, organizado em flashbacks, vai, aos poucos, nos mostrando porque é sempre inverno no coração do protagonista. 

Lee Chandler é, como o cenário ao seu redor, um homem monocromático: rosto inexpressivo, raras palavras, movimentos econômicos, contenção poucas vezes quebrada em explosões de fúria. O comovente, no entanto, é perceber que, mesmo com toda a dor, ele não está sozinho. E é a instigante relação com o sobrinho - um personagem adorável, desejoso de ser feliz - que move o filme. Ao final, abre-se um pedacinho de azul no céu escuro; pode ser que o sol venha e transforme em luz e cor o que era tristeza e frio. Não há promessa de verão, só um pouco de esperança.
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Já tinha ouvido várias opiniões sobre La La Land antes de assistir ao filme. Muitos amigos adoraram o musical e tiveram ímpetos de sair bailando do cinema. Outros tantos, odiaram, e voltaram pra casa maldizendo o roteiro. Considerando a polêmica, não fui com muita sede ao pote hollywoodiano; esperava me divertir, e só. 

Acontece que entrei pro clube dos que gostaram muito! La La Land é um musical, por certo, mas se esquiva com habilidade de algumas chatices próprias do gênero. Com exceção da longa cena inicial – a dos motoristas que, num enorme engarrafamento, saem dos carros para cantar e dançar como se fosse a coisa mais natural do mundo -, as coreografias e canções são enxutas e bem enganchadas às situações da história. Elas respeitam as capacidades dos atores principais, que embora não sejam exímios dançarinos ou talentosos cantores, saem-se bem na execução dos números musicais. 

Os personagens Mia e Sebastian são pessoas comuns em busca de seus sonhos, são “gente como a gente”. Têm certezas, dúvidas, medos, e tomam decisões que levam o filme a um final feliz, mas sem o “happy ending” típico das histórias de amor. Para mim, a grande sacada do roteiro foi o momento “E se...”, quando eles se reencontram tempos depois de separados e imaginam como teria sido a vida em comum se, nas encruzilhadas da vida, tivessem feito outras escolhas. A sequência de cenas idílicas é interrompida e um misto de sentimentos os invade: uma pontinha de tristeza somada à certeza de que viver este amor os ajudou a ser felizes. E daí seguem em frente, fortalecidos, e separados.
Fim.

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