sábado, 11 de fevereiro de 2017

Eu choro pelo Patinho Feio

Manhã de sábado, abro os olhos depois de uma noite difícil. Dormir com a bota ortopédica é um desconforto total: o peso da armação, o formigamento dos dedos, a falta de equilíbrio entre uma perna e outra... Lá pelas tantas da madrugada, arranco a bendita e consigo, entre uma virada de acomodação e outra, alguns cochilos providenciais.

Confiro o relógio e me dou conta que já passa das sete. Terão os policiais militares do Espirito Santo voltado ao trabalho? A semana no estado foi loucura: movimento das mulheres, situação de guerra, criminalidade em alta, população sitiada. Acompanhei as notícias com empatia adicional. Morei em Vitória nas décadas de 70 e 80, reconheço vários lugares mostrados nas imagens de TV - ruas, praças, o edifício do governo no centro da cidade. Imagino-me estudante da UFES, sem ônibus pra chegar lá, sem aulas... Sou outra vez professora de escola particular, vendo o espaço fechado e a grita dos pais que, mesmo com medo, precisam trabalhar. Com quem ficarão as crianças? Como funcionar sem segurança, sem os funcionários? Recordo que, na crise, todos perdem, é quase impossível conciliar interesses e necessidades. 

Reviro os pensamentos, levanto da cama e lamento que a greve tenha vindo logo agora que as coisas pareciam estar mudando. Eu via o Espírito Santo como o Patinho Feio da região sudeste: sem o charme do Rio de Janeiro, sem o poderio econômico de São Paulo, sem a grandeza cultural de Minas Gerais... O estado mais sem graça do pedaço, na rabeira da fila dos filhotes de Mamãe Pata. O pior para mim era perceber, enquanto morava por lá, que o bichinho estava conformado com a posição.

Quando, nos últimos anos, as belas penas do Cisne começaram a aparecer no noticiário, me senti tocada, orgulhosa pela virada de identidade do estado. Agora se apresentava como um dos poucos membros do galinheiro que mantinham as contas em dia. Respeito à lei, salários pagos, mesmo com o orçamento apertado. O Patinho em transformação aprendeu que o dinheiro do petróleo é incerto como ovo no fiofó da Mamãe. E foi animador ouvir os governantes grasnando as boas novas, relembrando que os contos brasileiros podem ter final feliz. Podem?? 

A semana foi especialmente triste pela volta da incerteza, pela percepção da frágil condição de “Cisne novo”. Mesmo com dificuldades e contradições, próprias destes momentos difíceis, torço para que o povo capixaba, governantes e instituições entendam a crise como motor de avanço, de aperfeiçoamento, sem abandono dos valores e das ações que tem contribuído para a metamorfose do Patinho. E que continuem a acreditar na utopia do Cisne. Nós aqui do estado vizinho, descrentes de tudo, constatamos que a realidade pode ser mais cruel do que contos e fábulas. No nosso enredo, o pato é guloso, inconsequente e tresloucado. Um ser sem cautela que vai parar na panela! 

Em tempo: fico sabendo que os policiais não interromperam a greve. Vontade de voltar pra cama, com bota ortopédica e tudo...

Ilustração do artista alemão Theo van Hoytema (1893) para o livro de Andersen “O Patinho Feio”.

Um comentário:

Nanu disse...

Nunca morei no ES, mas muitas vezes estive lá. A família de minha esposa é antiga presença em Colatina, Veio nas primeiras levas de imigrantes italianos. Vitória, Nova Almeida e Barra de São Francisco ocupam meu imaginário e sentimento de familiaridade por causa dos Pretti, dos Antolini e dos Fachetti. Nutro carinho especial pelo povo capixaba.

Acompanhamos apreensivos aqueles momentos difíceis. Filha ainda cursando arquitetura no Ifes de Colatina. Aliás, em Colatina foi muitíssimo mais brando. A carga mais dura lhe coube pelas mãos do rompimento da barragem envennando o Rio Doce.

Catarse estranha esta em que mergulhamos desde 2013 no Brasil. Parece uma espécie de puberdade pipocando espinhas e acnes cada hora em um ponto do corpo social enquanto hormônios tresloucam em cada célula.