quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Primaveras

“Pra que outono, meu Deus, pra quê?”, pergunto-me ao avistar as primeiras flores lilases do jacarandá em frente à capelinha. O ano ideal, para mim, deveria ter um verão, um inverno e duas primaveras, uma para cada semestre. Os hemisférios, norte e sul, tão apartados no espaço, se tornariam aliados com o único propósito de nos oferecer, em dobro, espetáculos cálidos de luz e calor, e explosões de cor, muita cor.
O formato deste ano ideal começou a se tornar consciente há poucas semanas, embora, analisando bem, o meu desejo já existisse lá no fundo da mente, camuflado por camadas e camadas de aceitação e respeito ao conhecimento científico. Afinal, aprendemos as quatro estações logo no início do ensino fundamental. Seria muita pretensão questionar Dona Margarida, minha professora da terceira série primária. Mas como os tempos mudaram, libertei-me das amarras da Ciência! Dispenso o outono, que venham as duas primaveras! 

Só assim para poder usufruir em setembro e outubro, mas também em maio e junho, da linda cássia-rosa, árvore corpulenta que produz flores delicadas em tom pastel. Vários desses espécimes colorem as ruas da vizinhança, o que me faz alongar as caminhadas para que cruze, todos os dias, a Eurico Cruz e a Miguel Pereira. Isso sem falar da dose dupla de sibipirunas salpicadas de amarelo, e também de ipês – roxos, rosas, amarelos e brancos - que habitam o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. 
Com esta simples reforma da natureza, ainda poderíamos nos inspirar na primavera europeia e repetir por aqui, todo mês de maio, os festivais que alegram cidades, como o Concurso de Rejas y Balcones e a Fiesta de Los Pátios de Córdoba, na Espanha. Os moradores se envolvem com a decoração de ruas e vielas; de varandas, grades e pátios, e abrem suas casas à visitação. A cidade se transforma com as cores de jasmins, cravos e gerânios e fica lotada de turistas que movimentam a economia local. Um reforço que cairia bem nas finanças combalidas do nosso Rio de Janeiro. 

E para os que consideram uma heresia a importação de modelos estrangeiros, saibam que a ideia foi adotada bem antes da minha brilhante sugestão. Por toda a Andaluzia, os jacarandás-mimosos, árvores com DNA sul-americano, reforçam, com lindas flores lilases, a primavera alheia.
Não me intimido, portanto, na busca pelo ano ideal reunindo floradas de todo lugar: campos de girassol e lavanda; coquelicots e bluebells; paineiras e patas de vaca; roseiras, buganviles e sapucaias. E já abri espaço especial para as palmeiras Talipot que acabaram de parir enormes cachos brancos após uns cinquenta anos de gestação. São minhas contemporâneas estas palmeiras asiáticas, trazidas por Burle Max para os jardins do Aterro do Flamengo. Me pego com o paisagista e reforço as convicções: nada de outono, quero as minhas duas primaveras!

Para ver outras imagens, clique em: Galeria de Fotos - Primaveras

Para saber mais sobre a viagem para Espanha e França, leia também: Duas Viagens e As Oliveiras

2 comentários:

angela disse...

oi Ana, outono é difícil, e primavera é festa! Como você tem se aproveitado das suas primaveras!! Olhar cuidadoso e curioso, prestando atenção a cada árvore florida. Precisei de décadas exposta a uma natureza que se transforma rápido demais para nossa alma tropical... para afinal me render ao breve colorido escandaloso do outono, que com uma pausa de inverno prenuncia a primavera!

ANA MARGARIDA MIGNONE disse...

A mágica da natureza... a complexidade dentro da mais calma simplicidade e naturalidade, não é... amo também! E a foto da Capelinha (rsrs escrevi com letra maiúscula, intuitivamente. Mas percebo que, realmente, ela é um nome próprio na minha vida. A Capelinha!