segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Maçaricos Viajantes

O calor forte do meio-dia, as dunas no meio do caminho, a longa faixa de areia a ser percorrida já nos faziam acreditar que a ideia de dar um mergulho não tinha sido das melhores. Cadê o vento constante de Aracaju?  O jeito foi deixar Atalaia para trás e seguir caminhando até as barracas da Praia dos Artistas. No percurso, uns movimentos ao longe nos chamaram a atenção. Eu e Mário chegamos mais perto, aquela dança era engraçada de ver, um vai-e-vem bem ensaiado, passos curtos e ligeiros executados em conjunto. A areia, refletindo os raios solares, fazia a iluminação do espetáculo. O figurino, um tanto monótono - tons de branco e preto num mesmo feitio -, reforçava a importância de cada um dos participantes.

Um pequeno bando de pássaros corria para a linha da arrebentação quando as ondas se recolhiam, e bicavam os buraquinhos descobertos na areia à procura de alimentação. Mas era só a água dar sinais de retorno para que os maçaricos obedecessem a coreografia da espécie e corressem de volta para a área de segurança na praia. Repetiram os deslocamentos uma, duas, três ... muitas vezes, até que, diante da nossa presença, transformaram suas posições no solo em um voo coordenado, afastando-se dos inimigos. Não demoraram para regressar e recomeçar o bailado, pois dele depende a sobrevivência das avezinhas viajantes, que atravessam milhares de quilômetros das áreas geladas do inverno no Ártico para se aquecer e se alimentar em terras da América do Sul.

Estávamos em dezembro, o ano de 2025 já querendo arrombar a porta do calendário, e nós, como os maçaricos, acionamos o modo migratório. Tínhamos deixado a agitação da cidade do Rio de Janeiro em busca de um porto seguro no Nordeste. Mas em Aracaju? E no Réveillon?, questionara uma amiga quando estávamos planejando a viagem. Aracaju não tem nada, nada pra fazer, você sabe, né? Tudo caro e cheio nesta época, só não é pior que no Carnaval, continuara argumentando.

Aracaju não se saiu mal no nosso filme de férias, sol brilhando todos os dias, brisa constante, camarão e caranguejo nos pratos típicos, gente acolhedora. Embora pequena, a cidade tem passeios interessantes. Gostamos, especialmente, do Museu da Gente Sergipana, voltado para comemorar a identidade do povo, as suas formas de cultura, as forças históricas e sociais que amalgamaram a maneira com que os sergipanos vivem.

Mas foi a visão do bailado dos maçaricos, estas aves estrangeiras a voejar pelas praias, que nos preencheu de beleza e reflexão. Como muitos de nós, humanos, elas migram, viajam de um ponto ao outro da Terra em busca de condições melhores para viver. Ao final do período previsto ao sul do Equador, retornam às suas geleiras de origem. Pena que muitos de nós não tenhamos a mesma sorte. Para muitos migrantes, não há período previsto de viagem, e não se sabe se um dia retornarão às suas geleiras de origem.


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De volta às crônicas de viagem, antes que as histórias percam o prazo de validade. 

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        Na Rede

Borgianas




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    • A ideia inicial veio do desafio que a Liana propôs no grupo do Escrita Matinal em 06/11. Quando criei o título, achei que ele teria mais sentido se fosse no plural: BorgianaS. E daí passei para o item II da escrita, completando o recurso de ALUSÃO. Fiz referências indiretas a composições que gosto muito sem citá-las diretamente, mas contando com o conhecimento prévio dos leitores.
              Me contem se, após a leitura, foi possível capturar esta intertextualidade.😬
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            Na Rede

    Linguagem


     

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      • Poesia produzida no grupo Escrita Matinal a partir do dispositivo Voz, em 29/08/25
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              Na Rede
      • O Céu da Língua - Gregório Duvivier -  fragmentos do espetáculo  AQUI

      terça-feira, 21 de outubro de 2025

      Me Ajude a Esquecer os Domingos

      Existem domingos? Quatro ou cinco vezes no mês?

      Existiram, existiam; não mais. Aquelas vinte e quatro horas que se esticam entre escuros já não vivem em mim.

      Não me chame; não ouse. Me ajude a esquecer os domingos.

      Tomo um porre de espumante, desligo sem memória; congelo; entro em coma desassistido. Outra vez.

      Espero um hiato; uma ponte sobre um rio poluído, um caldo de imundícies a correr sob os meus pés – esqueletos de ferro, para-lamas em carne escura, volantes forrados com veias.

      Astronauta em suspenso no espaço, aguardo a chegada do último segundo. Até lá, deixe-me neste escuro, sideral; esqueça-me no alívio do tempo do nada.

      Não se aproxime; nem tente. Me ajude a esquecer os domingos, que eu nasço ao raiar de outros dias.

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        • Texto produzido a partir do desafio Me ajude a salvar os domingos, da oficina Escrita Matinal, em 06/10/2025
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        quinta-feira, 2 de outubro de 2025

        Recital

        Levanto-me da mesa do café da manhã neste domingo nublado e peço: “Alexa, toca a playlist Hora da louça”.

        Xícaras e pratinhos, a faca da manteiga, as taças de vinho de ontem à noite me aguardam sobre a pia.

        Preparo as mãos, a esponja e o detergente; a água jorrando ritmada da torneira.

        Afino a garganta e finjo: chorei, chorei, até ficar com dó de mim... 

        Ouço a intensidade da voz, das vozes; a minha ao mesmo tempo encharcada de brilho e gim, a dele, pintada de desilusão.

        Nos bastidores da casa, segue o espetáculo: o corpo acompanha o ritmo, sacode a camisola de paetês, se equilibra nos chinelos com salto alto. Cantei, cantei, nem sei como eu cantava assim... 

        A louça, pouco a pouco, aplaudindo, sentada no escorredor.

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          • Texto produzido a partir do desafio Enquanto Toca a Música, da oficina Escrita Matinal, em 09/09/2025
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          • Na Rede
          Há um ano, escrevi um texto-irmão a este. Quando a gente escreve, os assuntos que mais nos tocam acabam se repetindo, com uma roupagem um pouco diferente. Quem quiser ler Conceição, no Instagram, clique Aqui .

          terça-feira, 30 de setembro de 2025

          Fragmentos de um Monólogo Amoroso

          ...

          (tira o espelhinho redondo da bolsa, estica os lábios, verifica o batom)

          Cadê você, Tom? Meu Deus, será que aconteceu alguma coisa: bateu com o carro?, tomou um tiro?!, a cidade tá violenta... Calma, não pira, notícia ruim chega logo, daqui a pouco ele vê as mensagens, diz que já vem, que pegou um engarrafamento, atrasou pra sair do trabalho, coitado...

          (pega o copo, dá um gole, faz uma careta)

          Chopp quente ninguém merece.

          - Garçom!

          Será que eu marquei com ele às 6 e meia, ou foi 7 horas?

          (rola apressadamente as mensagens no celular)

          Ele que marcou a hora, e o lugar, e eu batendo palma pra tudo que o Tom quer: no Aurora o chopp não ia estar quente assim..., veio com aquele papinho: o Bar do Alto é mais tranquilo, menos gente, só faltou dizer que é mais romântico. Eu não devia ter chorado no último encontro, homem não gosta de mulher melosa... é culpa minha; se eu chorar aqui ninguém vai notar, o casal mais próximo deve estar a um quilômetro de distância.

          (inspira o ar, solta com força pela boca)

          Tô meio tonta, um aperto no peito, deve ser sede:

          - Garçom!

          (apoia os cotovelos na mesa, sustenta a cabeça nas mãos)

          É sina, pra mim é sempre assim, não adianta, praga de mãe: você não tem sorte, nunca teve, a voz fanhosa nos meus ouvidos: rosas não nascem pelo simples querer..., meu querer é fraco, o meu braço então, força nenhuma pra bater na cara de quem me azucrina, quem levou nas fuças fui eu, sempre.

          (arruma a coluna, mexe a cadeira, fica bem de frente para a entrada)

          Três meses?, é, três meses de Personal e não vejo diferença, braço mole, bunda mole, perna fina..., a Ju ficou sarada com bem menos tempo, vou pedir o contato pra ela, e se for mais caro?, vou ter que gastar, paciência. O Tom teve coragem de me chamar de mão de vaca..., na hora eu ri, burra, devia ter mandado ele pastar. Isso é coisa que se diga? Isso é coisa que se diga pra mulher com quem ele tá saindo? Ou será que era um toque?, um alerta sobre eu estar mesmo apegada ao dinheiro? Ele é um grosso, mas tem cuidado comigo...

          (abana o rosto com o guardanapo, seca as têmporas, afrouxa a gola do vestido)

          Nem ar-condicionado tem aqui, um calor do cão, parece o carro do Tom quando ele cisma de deixar as janelas abertas: tá tão fresco lá fora, fresco só se fosse nos Alpes, mas no Rio de Janeiro?! O que é que eu fiz pra merecer isso? 

          Eu já prometi, vou mudar

                                                                    desamar

                                                                                            desamarrar

          em julho viajo pro Sul e chuto o Tom pro Deserto do Saara, é tão fresquinho lá...

          (penteia a franja com as mãos, puxa o comprimento dos fios num coque)

          Viajar sozinha? nem pensar, chamo a Claudinha, ai não, ela é chaaaataaaa..., a Lu, isso, a Lu é boa companhia, deu certo no Atacama, mas se ela cismar de chamar a Marta, ferrou, as duas não se largam; melhor eu entrar num grupinho desses de excursão, melhor pra quem, minha filha, só se for pro grupinho da excursão, que decadência, senhor! Com o Tom...

          (roda o anel de pedra azul no dedo, raspa com a unha a parte descascando)

          Merda de homem que tem bom gosto: anel, rasteirinha nude, buquê de rosas, eu amei...,

          ele me ama... ama?

          me amou?

          (vira o braço, faz tilintar as pulseiras, consulta mais uma vez o relógio)

          Quanto tempo é atraso pra você, mulher? Uma hora? Duas horas tá de bom tamanho? Merda de encontro, bosta de lugar,

          (circula o olhar pelo ambiente)

          quantos gatos tem aqui? Um, dois,... seis, sete. Sete?! Todos pretos! Foi de caso pensado, pra me jogar na cara que nunca viria aqui, tem pavor de gato preto, além de supersticioso é covarde. Burra, muito burra, só eu não vi; você é míope, sua louca, enxergar como? defeito de nascença, no olho e na alma, juntou com a falta de sorte, deu nisso... Mais um abandono, menos um, que diferença faz?, a pele sangra, mas cicatriza, vira couro; isso, Tom, faz como todo mundo; rosas não nascem pelo simples querer...

          meu querer é fraco, eu só sei ficar.

          (pega a bolsa pendurada na cadeira, estica o indicador para o alto)

          - Garçom!

          ...

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          Com um olho em Roland Barthes e outro em Aline Bei (metafórica e literalmente porque acabei de operar a catarata no olho direito; os dois olhos ainda não se acertaram), e estimulada pelo dispositivo O Ato da Espera (Escrita Matinal, 22/09 ), costurei as ideias neste novo texto.  

          segunda-feira, 7 de abril de 2025

          Quanto vale o fim de um amor?

          Durval empurra a porta de vai-e-vem da cozinha e grita:

          - Batista, suspende o fechamento do turno. Chegou um casal e parece que vai jantar!

          O cozinheiro está à beira da bancada, um pano encardido pendurado no ombro, panelas espalhavam-se pelo mármore gasto. Com a notícia, deixa escapar das mãos a concha de molho de tomate. A concha repica no chão e quase derruba o balde que apara o vazamento debaixo da pia.

          - A essa hora? Sem condições! Não sou escravo do patrão, não – reclama, recolhendo o objeto.

          - Também quero ir embora. Passei o dia todo andando de lá pra cá, e só consegui juntar uma merreca de gorjeta. O dia tá fraco!

          - E você quer encompridar um dia fraco, Durval? Ficou lelé da cuca! – resmunga sem levantar os olhos e já lavando as travessas.

          - É que o casal é distinto, principalmente o homem, com um casaco preto nos trinques. Vi quando chegou. Ah, se eu tivesse um casaco daqueles, Batista! Sabe a Soninha, aquela branquinha e bunduda que vive rondando os fundos do restaurante? Pois ela anda me esnobando, dizendo que eu sou mal ajambrado. Se eu vestisse um casaco daqueles, ia dar uma coça naquela danada.

          - Coça? Ah, entendi... – sorri com o canto dos lábios. – Só não sei como é que eu entro nesta história de casaco e Soninha. Você vai roubar o homem enquanto ele janta distraído com a mulher?

          - Claro que não, não tenho vocação para bandido! Mas uma pila graúda, acho que eu consigo arrancar. Crio uma dificuldade pra vender caro uma facilidade. É assim que faz todo mundo que se dá bem.

          - A dificuldade você já tem, hoje eu não cozinho nem mais um pinto.

          - Fechado, Batista. Você não tem que mover uma palha e eu me dou bem com o cavalheiro. Me passa a cesta de pão e dois copos. Copos limpos, viu. E pães pelo menos mornos. Se o serviço for de merda, babau tutu.

          Durval volta para o salão. Em cima do balcão do bar pega uma garrafa; na falta de bandeja, equilibra o vinho embaixo do braço. A cestinha e os copos seguem nas mãos, entre os dedos e um guardanapo. Dirige-se à mesa encostada ao muro e quase às escuras. Sem pressa, aproxima-se do casal: “Acho que a cozinha já está fechada, cavalheiro. Queriam jantar?”

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          - Batista, eu sou um gênio; você é um gênio! – entra na cozinha às gargalhadas. - Foi moleza trazer uma notinha direto para o meu bolso. Cheguei logo com o lero-lero:” já está tarde, senhor; deve estar fechada, senhor...;” insinuando que sempre se dá um jeitinho. E o homem parece que quer terminar logo este encontro: se sacode o tempo todo na cadeira, não sabe se pega o isqueiro, se larga o maço de cigarros. Senti até uma pontinha de pena.

          - Pena, Durval? Cascata. Agora mesmo estava querendo roubar o casaco do homem.

          - O que é isso, meu chapa? Sou honrado, só quero um din-din pra comprar uma roupa elegante e ficar boa pinta. Eu te falei, a Soninha...

          - Sei, a Soninha... – abandona a esponja na pia, pega a escova de arame e ataca a panela maior, grudada com molho de carne. As travessas estão lavadas e emborcadas no escorredor.

          - Sabe o que eu ouvi quando estava chegando na mesa: “Que juízo você faz de mim, Alice? Eu te amei.” – arremeda a voz do homem. Te amei, entendeu? No passado. E a mulher lá, com cara de coitada, fazendo um drama pra ver se o infeliz ama de volta.

          - Nos meus tempos de garçom, cansei de ver a cena. Daqui a pouco ela chora, diz que foi enganada, que ele não pode ir embora assim - abre a torneira ao máximo, posicionando o panelão embaixo da ducha forte.

          - Neste caso de hoje, tem mais um probleminha... – fala em tom de segredo, aproximando as mãos em concha do ouvido de Batista.

          - Desembucha logo, Durval, ou te ponho para limpar o chão.

          - A mulher é coroa, daquelas que querem parecer mais novas, sabe? E deve ser barraqueira. Pegou logo a garrafa de vinho, disse que queria beber; pelo olhar assustado do homem, já deve ter dado vexame.

          - E eu não sei? Mas não entendo bulhufas destas mulheres; se metem com homem mais novo, com idade pra ser filho delas, e depois querem fidelidade eterna. Piada. Nem se a dona for rica, cheia do ouro! A falta de carne nova e durinha fala mais alto – abre e fecha os dedos no ar como se apalpasse uma peça de alcatra do cardápio.

          - Tá certo, Batista, certíssimo! É por isso que eu acho que um coroa namorar uma menininha dá muito mais jogo; se o homem for rico, então, perfeito. As mulheres se contentam com umas migalhas de amor e uns presentes caros, nem fazem tanta questão de sexo.

          - Já nós, meu camarada, damos no couro até os noventa!

          - Ainda estou longe desta idade, mas chego lá. Enquanto espero vou dar uma circulada no salão - ri da própria piada - Se o homem não me vir por lá, é capaz de chamar o gerente. Não divido com ninguém os meus cinquenta cruzeiros!
                                                                                                                  
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          - Batista, hoje é nosso dia de sorte! Mais sorte que a da seleção tricampeã. Quer saber pra onde o casal está indo? Vem, é só chegar aqui – pega o cozinheiro pelo braço e o dirige à janela da cozinha.

          - Durval, não sou fofoqueiro, não – estica o pescoço na direção indicada, alcançando com a vista a nesga de jardim e a fonte seca no centro dele.

          - Eu fingi que estava atendendo outras mesas – sussurra o garçom ao lado da janela - passei bem longe deles pra não ter que dar nenhuma explicação. O homem parecia tão chateado que convidou a mulher para dar uma volta. Vieram nesta direção.

          - Dá pra ver direitinho. Bem que você disse que Alice era coroa... Ah, meu Deus, agora já era. Não abraça ela, meu senhor. A mulher vai entender tudo errado!

          - Fala baixo, Batista, não vai estragar o nosso camarote. Olha só, agora deu a doida. Tá beijando ele todo, e de língua.

          - Eu avisei, eu disse. Se não fosse essa música alta, dava até pra ouvir a conversa.

          - Eu te amo, eu te amo – Durval representa, olhando para Batista, que gosta da brincadeira:

          - Me larga, Alice! Acabou! – responde Batista, sacodindo o colega e sem consegui conter a risada.

          - Espera, que pena, acabou o showzinho, estão voltando pra mesa. Vou ter que aparecer por lá.

          - E qual vai ser a sua desculpa pro jantar não ter saído?

          - Fácil! Que o cozinheiro está de ovo virado – responde enquanto empurra a porta para o salão com força.

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          - Batista, fecha a cozinha, finalmente vamos embora.

          - E você só me aparece agora que já está tudo limpo e arrumado? Tá me devendo, ouviu?

          - Devo e não nego, mas pago nesse instantinho mesmo. Quer saber como terminou a historinha de amor?

          - Não sou fofoqueiro, eu disse. Vai, me conta, já esperei tanto!

          - O homem chama Eduardo, vi no cheque com que pagou o vinho; ele deu no pé, escafedeu-se, largou a mulher na mesa.

          - Dá-lhe, Eduardo! Assim é que se faz.

          - Encontrei com ele em frente ao bar, acertou as contas e pediu pra eu arranjar um taxi pra mulher. “Claro, claro!,” - fiz uma reverência respeitosa.

          - Quanto cinismo.

          - Depois segui em direção a Alice na mesa, ela com a maior cara de choro. Perguntei, jogando um verde: “A madama está se sentindo mal?”

          - E ela?

          - Disse que tinha sido uma discussão, mas que estava bem. Só de sacanagem, falei :“Também discuto com a minha velha, mas mãe tem sempre razão”. Mãe, manjou, Batista?

          - Que maldade, Durval! Ela ficou grilada? – pergunta enquanto fecha os armários e pega a mochila.

          - Não, até me elogiou, disse que eu era um moço muito bom, acredita? E se foi a pé mesmo, não quis táxi nem nada!

          - Apaga a luz aí perto de você, Durval, por hoje chega. Até amanhã!

          - Amanhã é minha folga, esqueceu? Vou comprar o meu casaco maneiro e abafar com a Soninha. Ela que me aguarde...

          Durval tranca a porta da cozinha e segue Batista até o ponto do ônibus. De longe, veem a mulher descendo lentamente a rua.

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          • Texto produzido e revisado no Grupo de Escrita, do curso de Formação de Escritorescoordenado por Bruna Tessuto. O desafio foi fazer a reescrita do conto "A Ceia", de Lygia Fagundes Telles, modificando o foco narrativo.
          Na Rede:
          Leia A Ceia - Alice e Eduardo encontram-se num restaurante para, mais uma vez, conversarem  sobre o término do romance que viveram durante anos.