sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Metodologia

Quando eu escrevo, ou melhor, quando eu decido começar a escrever, já pensei muita coisa antes: escolhi ideias, selecionei palavras, ordenei sentidos. Tudo, tudo bem claro na mente.

O problema é conseguir capturar os pensamentos que, diante do papel ou da tela, fogem apavorados. E toca a revirar a casa a procura deles, os danados são hábeis em inventar novos esconderijos. Tornam-se tão ariscos ao serem descobertos que preciso agarrá-los pelos cabelos e aguentar a gritaria.

E quando, finalmente, concluo a perseguição e sento-me para iniciar a tarefa, estou tão cansada com aquele pique-pega que tenho que deixar a escrita para o dia seguinte.

Escrever seria mais fácil se eu tivesse um gravador de pensamentos – uma traquitana simples, portátil, acionada por um piscar de olhos. Alguém conhece uma startup que possa me ajudar?

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Ufa! Que alívio! Não sou só eu!
Foi o Joaquim Ferreira dos Santos que me salvou do autoflagelo, mas fiquei sabendo que muita gente padece do mesmo mal - um desejo incontrolável de postergar, adiar, retardar, deixar pra amanhã o que se pode fazer hoje, no caso, o que se pode escrever hoje.
Li o depoimento dele e... deu-se a libertação; escrevi sobre o meu processo de escrita. Um trabalho em equipe contra a procrastinação, embora eu ache esta palavra horrorosa. Valeu, Joaquim.

Quando eu escrevo, ou melhor, quando eu me sento para escrever, costumo levantar logo em seguida para fazer qualquer outra coisa. Faço isso algumas vezes. Tomo água, me lembro de um telefonema para dar, até que não resta outro jeito se não encarar o teclado e enfileirar as palavrinhas, uma atrás da outra, e tratando para que elas não pinguem em gotas monótonas como as que pingam agora da torneira do banheiro e, desculpem, preciso me levantar para ir lá fechar a porta. Eu já tive um joguinho no computador que me ajudava bastante a adiar a primeira palavra. Abria a tela, jogava o arqueiro e só depois, quando a mente já esta estava bem esvaziada e não restava outro jeito, começava o trabalho. Escrever é um trabalho pesado.

Joaquim Ferreira dos Santos – depoimento para o Segundo Caderno de O Globo, 1º de agosto de 2003

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