- Lembra o que eu te expliquei sobre a zona de desenvolvimento proximal? – pergunto assim, sem mais nem menos, ao Mario, sentado na poltrona ao meu lado.
- Ahn?? - retruca ele, afastando o fone de um dos ouvidos, mas sem tirar os olhos da telinha em frente.
- Zo-na de de-sen-vol-vi-men-to pro-xi-mal, - repito pausadamente - um dos conceitos de Vygotsky que mudou a minha cabeça de pedagoga... Lembrou?
- Ah! Tá! - digna-se ele a responder, para logo em seguida reacomodar o fone e voltar toda a sua atenção para a sequência de imagens animadas na TV.
Na falta de interlocutor, e aproveitando o tédio das longas horas de viagem no avião, dediquei-me a investigar por que a teoria do Vygotsky havia assim, sem mais nem menos, assaltado meus pensamentos. Relembrei os estudos no mestrado em Educação na PUC e o quanto as contribuições do psicólogo russo me valeram como professora e supervisora pedagógica na Educação Infantil. Em especial o tal conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP): a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, medido pelos conhecimentos que ela domina com independência, e o nível potencial, aquilo que está prestes a aprender, mas só consegue realizar com a colaboração de um adulto ou de um colega mais capaz. Assim, a maior alegria que Vygotsky me proporcionou - tratando-se não só das crianças, mas de qualquer indivíduo aprendiz - foi a compreensão do aspecto social da aprendizagem, da importância do outro como mediador da aquisição de novos saberes. E, como consequência, o fim da necessidade de se fazer silêncio e aprender tudo sozinho, princípios, até então, inquestionáveis da educação tradicional. A aprendizagem, como a vida, é a arte do encontro.
Pronto! Está aí o fio que me reconecta ao devaneio do início do texto. Em nenhuma outra viagem foi tão marcante a presença de companheiros mais capazes a nos orientar, a simbolicamente deixar as marcas no chão e nos dizer: vão por aqui, o caminho é mais bonito. Pessoas que, carinhosamente, se desdobraram para compartilhar experiências de vida, na Inglaterra e na Escócia, e rechear a nossa própria viagem com momentos que, sozinhos, não teríamos condições de vivenciar.

Londres é uma cidade que proporciona caminhadas muito boas – escreveu-nos Marcelo na sua carta-depoimento de ex-morador, incluindo dezenas de pistas sobre como desbravar a capital inglesa. Seguindo os seus passos, cruzamos a pé os bairros de Kensington, Mayfair e Marylebone, acompanhamos o Tâmisa em Southbank e nos encantamos, como vocês já sabem, nos passeios pelos parques verdes. Para ouvir boa música, e a preços não tão salgados, a dica era a programação da igreja St Martin-in-the-Fields. E lá fomos nós, num anoitecer de sábado, apreciar Vivaldi e suas Quatro Estações, além de conhecer outras peças para violino de Bach, Mozart e Pachelbel. No quesito refeições, as sugestões ajudaram a nos manter bem alimentados sem abalar substancialmente as finanças. Côte Brasserie tornou-se a nossa rede de restaurantes predileta, com a facilidade de encontrarmos uma filial em qualquer lugar da cidade. Embora não estivesse presencialmente conosco, Marcelo foi lembrado a cada nova experiência como um indispensável mentor.

Mais que companheiros de viagem, Ângela e John foram nossos “pares mais capazes” em incontáveis situações. Uma das mais marcantes pra mim foi caminhar, nos arredores de Oxford, por campos floridos, entre criações de ovelhas e plantações de canola para, ao final do trajeto, jantar no pub The Nut Tree. Sem eles, nem saberíamos que os proprietários de áreas rurais são obrigados a deixar trilhas livres para pedestres e teríamos, com certeza, receio de cruzar as porteiras do caminho.
Será que teríamos tido coragem, e competência, para nos hospedar em um chalé-moinho no meio das Trossachs – cadeia de montanhas separando as Terras Altas das Terras Baixas na Escócia? Aprendendo junto e trabalhando em colaboração, abastecemos a lareira, dominamos o aquecimento elétrico, cozinhamos, comemos e bebemos, ouvimos diferentes histórias, fizemos muitas perguntas e demos boas risadas.
E o que dizer dos piqueniques nos mais aprazíveis e improváveis lugares? Das proximidades da muralha de Adriano às margens dos lagos escoceses; com o lanche arrumado nas tradicionais mesinhas de madeira ou displicentemente disposto na toalha xadrez inspirada nos tartãs escoceses.
Foram tantas
as experiências de aprendizagem nas quais a nossa
zona de desenvolvimento proximal foi acionada nesta viagem que é
impossível condensá-las num só texto. Não sei se o Moska, compositor carioca,
conhece a teoria de Vygotsky, mas hoje escutei uma antiga música dele que, numa
interpretação livre, explica de modo poético a nossa vivência.
“Gosto quando olho com você o mundo. E gosto
mais do mundo quando posso olhar pra ele com você”.
Obrigada, Ângela, John e Marcelo, por nos emprestarem o olhar.
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