- Calma, pensa melhor. Você deve ter ido lá! Pelo menos uma vez, na infância, com certeza – pondera o interlocutor, inventado pra debater comigo mesma e tentar acalmar o coração, enquanto vejo, domingo à noite, as imagens na TV.
- Espera, não tô conseguindo nem raciocinar com esse fogo lambendo os meus olhos e a minha memória - retruco amargurada. Talvez no primário... Lembro-me de um passeio da escola a uma ilha da Marinha, na Baía de Guanabara. E de ter ido ao Museu da República com a minha mãe. Só isso! Não, nesta época eu não conheci o prédio.
- Pode ter sido com a sua avó, naqueles programas planejados pra depois da Missa das Crianças no Largo do Machado – ele argumenta, tentando me reanimar.
- Mas depois de adulta, depois de ter se tornado uma EDUCADORA – enfatiza, sem piedade – é claro que você conheceu o lugar!
- Alto lá! Eu tenho muito orgulho de sempre, sempre ter visitado com as crianças os mais variados espaços culturais da cidade! Dos mais tradicionais, dedicados às artes, história, ciência e tecnologia, aos pequenos centros das vizinhanças... É muito injusto me questionar sobre isso!
- Então, não há por que se martirizar. O Museu Nacional está entre estes centros de cultura que você conheceu acompanhando os alunos, certo? – desfere, em brasa irônica, a pergunta final. Pra completar, a falta de água mostrada na TV, me desespera.
Calo-me, sem nenhuma explicação plausível. Fecho os olhos. Somem as imagens perturbadoras, os efeitos do incêndio, não. Permanece uma incredulidade triste diante do descaso de tantos, do meu descaso inclusive. Uma saudade imensa, pelo o que não vivi, queima dentro de mim.
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O Incêndio - Portinari - 1955 |